Vigésimo terceiro número da série, décima terceira questão:
Carlos Serra: O que mais criticais hoje no país?
Régio Conrado: Hoje no país criticamos o modelo de desenvolvimento que a elite escolheu seguir, os modos de acumulação primitiva do capital, a ineficiência das Políticas Públicas, o regime político e o sistema de partidos, o comportamento das nossas elites, a nossa educação formal e não formal e a passividade a que muitos Moçambicanos se acomodam. Estes são os aspectos que nós pensamos poderem influir em outros âmbitos da nossa vida enquanto existencialmente mocambicanos.
Carlos Serra: O que mais criticais hoje no país?
Régio Conrado: Hoje no país criticamos o modelo de desenvolvimento que a elite escolheu seguir, os modos de acumulação primitiva do capital, a ineficiência das Políticas Públicas, o regime político e o sistema de partidos, o comportamento das nossas elites, a nossa educação formal e não formal e a passividade a que muitos Moçambicanos se acomodam. Estes são os aspectos que nós pensamos poderem influir em outros âmbitos da nossa vida enquanto existencialmente mocambicanos.
(continua)
13 comentários:
A passividade...
Vamos a ver se este jovem e outros saberão manter estas ideias e recusar a sua substituição pelas ideias habituais...
kizumbismo político e económico é o que estamos a passar.(Kizumba= hiena)
Isto vai-nos levar infalivelmente a um Rwanda.
Estamos ainda menos preparados para a selvajaria capitalista em que nos metemos do que estavamos para a utopia comunista da Primeira Républica.
As estruturas, físicas e sociais, rompem sempre pelo elo mais fraco. E enquanto a competência se reconhecer por critérios partidários, Moçambique é um elo fraco.
(Os mais faladores já dizem que por 7,5% da barragem recuperaram o território)
Jovens de coragem.
Que elite, sr. Conrado. A do sr. Paunde e associados? Poderia elaborar melhor...E a proposito das visoes de Paunde sobre a riqueza.Leiam isto tambem: http://www.usp.br/revistausp/68/19-omar-ribeiro.pdf
Pois, pois...
Sr.Ricardo! Quando falo de elite operatoriamente falo daquele grupo de pessoas que possuem qualidades ou itens que os distanciam dos outros, itens que podem ir do capital social, cultural, politico, economico entre outros tipos. Partido desse principio compreendo que o meu texto quando de elite refere-se a elite politica, nao obstante existirem outros tipos de elite como a economica, cultural, intelectual, etc, aquela elite que controla a politica como aquele instrumento que permite a distribuicao imperativa dos valores como diria G. Pasquino. Destarte, essa elite politca que no caso e tambem economica tem as redeas do pais, o destino do pais nas suas maos. E nos sabemos como e que se comportam as nossas elites politoco-economica. Basta que leiamos a obra de Pepetela Jaime Bunda, Agente Secreto e geracao da Utopia podemos ter uma ideia do que e que se trata quando falamos dessas nossas elites. Nao estou a dizer a dizer que isso e essencialmente africano mas que a elite politica mocambicana tem caracteristicas predadores, alias Pepetela escreve outrossim um Livro com o mesmo titulo para ilustrar um pouco daquilo que e o comportamento das mesmas retro citadas.
Quando falamos de passividade, remetemo-nos a uma discussao muito cara a Mamadou diofa e Mandami Mahamod que defendem que em Africa o que reina nao sao cidadao mas sim subditos, pois se olharmos em profundidade, mesmo em Mocambique, pouca coisa ha, de facto, que tenha o nome de cidania. Deveras vezes primamos por ser Yes man. E por ai que oriento o termo passividade.
Percebido Sr. Conrado. Mas as elites mocambicanas de hoje, ja nao sao as pseudo-elites criadas de maneira abstracta pelo ideario marxista-leninista de Machel. Hoje, elas sao muito mais "terra a terra". Movem-se por materia, e nao por ideias. Hoje em dia tambem, nao ha uma linha separadora nitida que permita por exemplo, perceber se uma analise intelectual na media ou academia e realmente um contributo para o bem comum. Cultivo e incentivo o modelo dos pensadores da antiga Grecia, que admite percepcoes desiguais sobre este modelo de desenvolvimento que critica, e mesmo assim merecerem o devido destaque nas nossas reflexoes. Por exemplo, voce pertence a uma elite, que e elite da FRELIMO e seus associados politicos, economicos ou sociais. Eu tambem sou duma elite, mas de uma elite que se opoe a teses racialmente motivadas na FRELIMO. Nao sou simpatizante deste partido. Mas tambem nao sou de nenhum outro em Mocambique, justamente porque nenhum deles representa ou defende os interesses dos mocambicanos "nao-genuinos". Por essa razao, recomendei a leitura daquele ensaio da USP, para me saberem situar bem.
Eu e voce, tambem nao convergimos ideologicamente quando se trata de interpretar o mesmo fenomeno. E para o mesmo, temos solucoes, muitas vezes opostas. Contudo, mais do que a infalibilidade, a mim interessam essencialmente a razoabilidade e a sustentabilidade da solucao. Penso que ai e que esta a nossa grande divergencia.
Outra coisa que tambem seria interessante perceber nas suas analises, sao duas questoes de partida, que na minha visao ideologica, sao relevantes quando se estudam as nossas elites mocambicanas:
1- Se as elites se tem adaptado aos processos historicos, ou se elas tem adaptado os processos historicos aos objectivos da elite que representam;
2- Se a passividade mocambicana e antropologica ou se e uma passividade imposta por varias circunstancias internas e externas.
Isto so para comecar. Porque havera muito mais por dissecar.
Sr. Ricardo! Quero primeiramente dizer que não pertenço a nenhuma elite da Frelimo pois que este Partido, hoje, não cultiva os valores que eu defendo. Segundo, quero dizer que estou ainda menos preocupado em pertencer a uma elite pois mais me interessa contribuir com ideias que possam contribuir para o progresso material e espiritual de Moçambique. E muito verdade igualmente que seja possível que venha a pertencer a uma determinada elite mas não será, pelo menos enquanto as coisas continuarem no mesmo rumo que ora segue.
Ademais, eu sempre ao discutir parto do principio de que o outro e um Ser que merece a mesma consideração que eu tenho comigo mesmo e isso me remete ao agir comunicativo de Habermas ou ainda a razoabilidade de Popper. De outra forma, nunca devo pretender defender possibilidade mas sim possibilidades pois que a historia como espaço de invenção se sentido e de efectivação não da liberdade como Livre arbítrio mas como mit-zein permite que todos os posicionamentos sejam aceitáveis. Temos pontos discordantes e isso e essencial se tivermos as propostas heraclitianas, hegelianas e marxianas sobre o papel da contradição na historia. Um dos pontos que tenho outrossim a informar e que nao encontro em Mocambique um partido politico que me seja realmente realizante enquanto um ser que pensa e tem principios a defender. Ou seja, como um individuo concreto mas tambem como ente ontico tenho as minhas perspectivas pensamentais que me distanciam dos partidos que encontro em Mocambique. Para terminar, pretendo dizer que olho o debate como oportunidade para sairmos da nossa menoridade para maioridade, uma fase que significa a utilizacao publica da nossa faculdade de raciocinar ou pensar, como Kant diria ao definir o iluminismo. E estamos igualmente no esfera publica onde podemos desdobrar todas a nossas ideias sem que isso signifique finalismo, absolutismo de ideias. Estamos todos a caminhos a busca de alguma que existencialmente estamos na penumbra.
"Se as elites se tem adaptado aos processos históricos, ou se elas tem adaptado os processos históricos aos objectivos da elite que representam" in Ricardo.
Se olharmos com atenção a historia vemos que a realidade é que determina a consciência das pessoas, a sua forma de agir e de pensar. Com isto não quero peremptoriamente assertar que as ideias não tenham sua importância ou mesmo sua forca. As ideias tem a sua força! As elites moçambicana, particularmente a elite politico-economica, é epocal, histórica. Com isto quero dizer que essa elite forma-se e comporta-se tendo em conta aquilo que são as épocas e quais as exigências e oportunidade que o TEMPO oferece para a sua realização como elite. Neste sentido, sr. Ricardo, nao podemos deixar de reconhecer que ambos os fenómenos ocorrem dialecticamente, ocorrem em concomitância pois que essas elites tanto se adequam aos tempos como adequam o tempo as suas necessidades e peripécias. No tempo em que canta-se o Socialismo e todos os chavões ainda que não claros, essas elites comportavam-se como socialistas convictos e se aproveitavam dessa situação. Mia couto no seu romance Terra Sonâmbula e Nkeppe no seu Casa da Justiça fazem descrições que são interessantes para compreendermos o que acima disse em torno da elite. Com efeito, o homem é produto e produtor da historia, de circunstancias e do tempo, o que significa que o homem, as elites para este caso ela condicionam os tempos para responder aos seus interesses, anseios e proteger aos seus momentos e instantes. Tendo em conta a estrutura argumentativa que acima expus posso ainda dizer que as elites mostraram capacidade de metamorfose pois que depois da morte de Machel ou parafraseando Ngoenha do que ele representa, essas elites, tendo em conta a conjuntura nacional e internacional, rapidamente torna-se o que antes condenava violenta e radicalmente. Eles condicionam e são condicionados pelos processos históricos.
Sr. Conrado. Estou parcialmente de acordo em relacao a sua interpetracao da transcricao a mim inputada. De facto, para mim, as elites actuais de Mocambique tem-se apropriado mais dos processos historicos do que adaptar-se a eles. Alias, essa e para mim, a grande contradicao da governacao actual, pois socorre-se de expedientes e ate simbologia da epoca do Homem Novo, mas na realidade e uma governacao neo-liberal que em nada se difere das demais que vimos e vemos por este mundo fora.
A meu ver tambem, e impossivel nao se pertencer a uma elite. O facto de nos auto-excluirmos das elites, faz de nos elites tambem, por sermos porta-vozes circunstanciais de outras elites, mesmo que nao nos apercebamos, ou mesmo das elites que criticamos, o que tambem podera forjar outras elites.
E porque eu acho que este conceito e importante na analise do modelo de desenvolvimento que a elite escolheu seguir, os modos de acumulação primitiva do capital, a ineficiência das Políticas Públicas, o regime político e o sistema de partidos?
Porque em Mocambique existem, e sempre existiram desde os primordios, claramente elites, que nao sendo a maioria da populacao, decidem, pensam e falam por ela sem lhe pedir licenca nem opiniao. Logo, e utopico discutir ou propor modelos inclusivos sem ser por elas.
Em somente 10 anos de independencia (termos absolutos), a situacao alterou-se, e fortaleceu-se a burguesia negra, que e o mesmo que dizer a elite da FRELIMO, quer nos aspectos do conhecimento, que ate no aspecto economico, mas de um modo ilusorio. E porque? Porque na realidade a riqueza era do Estado, ninguem poderia ser oficialmente rico pois contrariava os canones marxistas. Eram tempos dificeis. Mas se algumas lojas do povo, cooperativas, numa primeira fase deram ar da sua graca, e porque la vi muito mocambicano "nao genuino" indiano (goeses sobretudo), mulatos e brancos, a cuidarem da contabilidade, das importacoes e outras actividades onde notoriamente, por causa da heranca colonial pesada e o exodo que se lhe segiu, a FRELIMO teve que render-se a evidencia de integra-los na sua sociedade marxista. Mas pouco a pouco, a medida que mais mocambicanos negros foram sendo formados ou aprendendo com aqueles, foram-nos substituindo, umas vezes bem, outras nem tanto.
Reconheco era um processo historico, perfeitamente logico, ainda que doloroso. Ele tinha de acontecer. Contudo, houve e continua a haver um erro que o sr. Paunde personifica hoje com as famosas declaracoes ao SAVANA. E a crenca segundo a qual, colocando-se um mocambicano negro no lugar de um "nao genuino" NOS nos tornamos mais mocambicanos -> genuinos.
Ora nao e assim. E preciso tambem perceber quem sao (ou foram) as elites da FRELIMO que se perfilaram imediatamente para ocupar o lugar, primeiro, dos colonos, e depois dos mocambicanos "nao genuinos". Foram exactamente ex-assimilados ou descendentes destes que ja eram parte integrante, embora em escaloes inferiores, do aparelho colonial, e quase todos oriundos do sul do Save. Por sua vez, estes ex-assimilados, tambem sao descendentes das familias nobres oriundas da migracao Nguni que aqui chegaram por volta de 4 seculos. Logo, a sua "originalidade" neste espaco territorial que e Mocambique, e muito mais recente que as dos descendentes dos prazeiros do Zambeze por exemplo. Por isso e que ate hoje, em alguns ministerios, quase so temos quadros medios ou superiores originarios dessa franja privilegiadas de negros. Se voce for avaliar o numero de quadros medios ou superiores dos Ministerios das Financas, Justica e Administracao Estatal oriundos ou descendentes de ex-assimilados de Inhambane e Maputo vai perceber porque e que o conceito de unidade nacional e ainda uma abordagem teorica, nas proprias hostes da FRELIMO.
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"Se a passividade moçambicana e antropológica ou se e uma passividade imposta por varias circunstancias internas e externas".
Sr. Ricardo! Se analisarmos aquilo que foi a Antropologia, a ciência ocidental, desde os mais refinados filósofos como Hegel, Bhrul, Marx chegaram a afirmar que os africanos eram substancialmente inferiores, que eram pré-logicos, sem historia, que eram ahistoricos. Eram exercícios de substancialismo, ontoficacao, gelamento das sociedades africanas. Todas essas formas de explicar o real mostraram-se falsas, corriqueiras como a tentativa que houve pos 1994 de explicar o voto na base da etnia. Com este introito quero dizer que não concordo que a passividade de um grande numero de moçambicanos seja explicado pela antropologia simples ou uma perspectiva antropológica antropolocizante, aquela visão que tende a justificar comportamentos buscando encontrar essências, entes onticos, substancias pois essa forma de olhar a realidade nos remete a aceitação de verdades simples, verdades imediatas que ao meu ver não nos permitem compreender em profundidade os fenómenos. Pensando nestes moldes, urge-me dizer que a explicacao da passividade a que maior parte dos mocambicanos se encontra deve ser buscada na historia, pois todos os fenomenos humanos sao historicos, sao produto das relações humanas, dos conflitos humanos, das frustrações humanas. Não podemos pretender dar explicacoes dos fenómenos humanos buscando explicações no nao humano, no sobre-humano ou em alguma substancia imutável pois isso seria deixar de compreender e tentar explicar esses fenómenos passando a fazer antropologismo, filosofismos, sociologismo. Coisas banais. Porquanto que essa passividade precisa ser buscada tanto nas estruturas social e historicamente construídas das nossas culturas, do estado colonial e mesmo do estado pos-independencia, primeira republica, que em termos de fundamentos essenciais não fugiu muito as lógicas do estado colonial. Essas três estruturas formaram, fabricaram súbditos, escravos, servintes, obedientes que só servem para manter o satus quo ante. A Violência física e psicológica que foi encetada tanto pela maquina colonial como pelo estado pós independência deixaou sequelas graves nas pessoas que fazem-nas continuar psicologicamente afectadas. Ha recalcamentos do passado que são hoje fortificado pelo estado-deus, partido-teologo, partido-verdade. Sr. Ricardo, em linhas gerais, quero dizer que as minhas leituras me orientam a encontrar as explicações na historia e nao em substancias culturais inamoniveis, geladas, paradas no tempo, ahistorica, aespaciais, atemporais. Tudo e historico, todo evento humano e produto do proprio homem. Tudo passa, nada permanece!
Duas coisas sr. Conrado. A minha replica sobre as elites nao apareceu completa. Logo, nao ha como continuar debater esse assunto aqui se for para exprimir a minha opiniao aos solucos. Gosto de debates abertos e nao de tutelas bitoladas.
Em relacao a este ultimo ponto, uma simples questao: Porque os mocambicanos? Porque nao os angolanos? Tendo em conta o mesmo passado colonial e a mesma ideologia no pos-independencia? Terao ou nao as elites uma contribuicao decisiva para a passividade da maioria dos mocambicanos? Por outro lado, a aceitacao da miscigenizacao social nao e tambem e um factor decisivo para se sair da passividade? Baseado no facto de Mocambique ter sido sempre uma sociedade segregada. Em todos os aspectos. E com muitos adeptos da politica da avestruz nas academias.
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