08 março 2007

Do deixa-andar ao deixa-impor: amor à pátria e aos doentes não se obtém por autoritarismo e medidas tsunami

Creio que se ampliam no país os indicadores de uma espécie de síndrome da precipitação autoritária. Melhor: síndrome das medidas tsunami. Por exemplo, há quem pense que a pátria se ama ou que se pode amar mais caso cantemos o hino nacional, mesmo nas universidades. Ou que a pátria se ama ou que se pode amar mais caso introduzamos nos curricula temas afins. E, já agora, há quem pense que novos horários (como podiam ser novas outras coisas) se podem introduzir sem consulta prévia, como acontece agora com o ministro da Saúde, tentando, por essa via, que os médicos prestem melhor atenção aos doentes.
Leiamos os seguintes três trabalhos, insertos no "Notícias" de hoje:
I
"A Universidade Pedagógica, delegação de Nampula, definiu no conjunto de acções prioritárias a desenvolver no presente ano académico o treinamento de todos os docentes e discentes da instituição, estimados em cerca de cinco mil, na entoação do hino nacional. Este facto foi revelado pelo delegado da UP, naquela região, Zacarias Ivala, que disse ter constatado que os discentes e docentes não dominam a letra do hino nacional."
II
Por sua vez, em carta de leitor, a Sra. Lina Magaia escreveu o seguinte:
"4. Deve ser matéria curricular o amor à Pátria. Mesmo que não amem a FRELIMO. Amando a Pátria, quererão servir a Pátria e esta em termos de território, vai de Maputo ao Rovuma e do Zumbo ao Oceano Indico; vai do Rovuma ao Maputo e do Indico ao Zumbo. Os estudantes, todos incluindo os universitários, devem ser ensinados a amar a Pátria (estou a ouvir certos intelectuais da praça chamarem-me fascista, retrógrada com ideias nacionalistas e não globais). Os estudantes, também os universitários, devem ser ensinados e devem sentir que é uma missão que têm o de estudar para servir a Pátria."
III
Finalmente, um novo horário foi criado para os médicos, gerando um conflito imediato e o protesto dos médicos, que não foram consultados:
"Novos horários de trabalho foram estabelecidos nos departamentos e serviços dos hospitais públicos do país, no cumprimento das decisões da IV Reunião do Conselho Hospitalar, realizada em Maputo, Fevereiro último.
O documento, circular número 04/GPS-3/GM/2007, assinado pelo Ministro da Saúde, Ivo Garrido, desde logo criou um ambiente de desagrado no seio da classe médica, sentimento que viria a ser exteriorizado nas câmaras de uma televisão local, por Aurélio Zilhão, médico e antigo titular da pasta.
Um dos fundamentos para o conflito é a obrigatoriedade de aqueles profissionais trabalharem para além das oito horas, de segunda à sexta-feira, como também se deve acrescer, aos sábados, mais três horas, o que transcende às quarenta semanais estipuladas por lei."

4 comentários:

Anónimo disse...

Tenho para mim que há várias formas de manifestar o amor pela pátria. Não entendo por que as pessoas querem normatizar o amor patriótico. Será que dominar o hino nacional é um feito patriótico? Das poucas vezes que canto o hino nem sei se o faço por amor ou por cumprimento de uma ordem.
Tenho lido muitas reflexões sobre patriotismo e a ideia central é mais ou menos esta: Em Moçambique ser patriota não significa amar a pátria, mas dar visibilidade àquilo que o poder político instituido normatizou como práticas simbólicas de patriotismo. Não admira que hoje nós os jovens somos chamados a dominar o hino nacional, adorar os símbolos nacionais, cumprir o SMO, estagiar no distrito, decorar os heróis e potenciais heróis, dominar datas históricas, votar, preservar os valores, enfim uma lista de normas a observar.

Anónimo disse...

Senhor Professor Doutor Carlos Serra,
Será mesmo “autoritarismo”, “medida tsunami”, desnecessário e tão rídiculo assim exigir-se que futuros professores conheçam a letra e saibam cantar o hino nacional?

Carlos Serra disse...

E acha que a nível universitário, com professores e estudantes adultos, essa é uma medida correcta? Acha que é assim que a nossa pátria será melhor amada?

JCTivane disse...

Tenho consciência de ser muito conservador em muitas coisas, mas neste caso sou obrigado a concordar. Existem muitas formas de amar a pátria e não me parece correcto que o amor seja imposto. Ou se ama ou não. Sermos bons estudantes, sermos bons engenheiros, bons médicos, isso sim. Muitas vezes obrigar a fazer coisas só provoca o efeito contrário, a falta de amor. Ainda por coma quando confundimos adultos com crianças. Tenho dito.