O que são tradições orais? Sem irmos ao dicionário, podemos dizer que tradições são factos, histórias, preceitos, repositórios que se transmitem de pessoa a pessoa, de grupo em grupo ou, mais generalizadamente, de geração em geração. Que não estão, portanto, escritas. Que têm, obviamente, a característica da imutabilidade.
Se quisermos ser um pouco mais precisos e entrando agora na história, podemos dizer que tradições orais remetem para a memória de um grupo social ou de um povo e cuja integridade e veracidade são asseguradas por aqueles que têm por função monitorar e controlar o comportamento dos mais jovens: os anciãos.
Como estamos em África, as tradições orais foram de alguma maneira transformadas no baluarte de luta contra as línguas invasoras, as línguas dos colonos.
Ao nível da história, às línguas colonas e à visão unilateral da vida que é suposto ter sido a sua (os documentos guardados nos arquivos são o exercício prático disso), foram contrapostas as tradições orais enquanto repositório da verdade.
À venalidade colonial foi contraposta a verdade do colonizado.
Assim, durante décadas os historiadores e outros cientistas sociais têm feito das tradições orais e dos seus guardiões, os anciãos, as chaves do resgaste da verdade e da cultura africanas e, mais propriamente, populares.
Portanto, as tradições orais não devem ser discutidas, devem ser pura e simplesmente aceites. Primeiro porque são africanas, segundo porque são reais já que são populares.
Ora, há uns atrás e a meu convite, o historiador congolês Elikia Mbokolo deu uma palestra na minha turma de Metodologia de Investigação e falou longamente sobre as tradições orais.
Ele mostrou claramente que as chamadas tradições orais eram e são bem mais do que a história real das comunidades ou dos grupos ou dos povos africanos. Na verdade, as tradições orais eram e são espólios políticos de um certo tipo a cargo de grupos sociais que podiam e podem revê-las por forma a garantir simbolicamente a ordem das comunidades.
Por outras palavras, Elikia Mbokolo revelou, subversivamente, aos meus pasmados estudantes, que as tradições orais tinham, afinal, uma clara natureza política, que elas revelavam como que a estrutura de uma jazida arqueológica com as suas diferentes camadas geológicas, sobrepostas de acordo com o tempo e, no caso vertente, com os interesses de dominação em causa.
As tradições orais eram e são, afinal, palimpsestos políticos.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
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