22 abril 2006

Tradições

O que são tradições senão fenómenos que julgamos imunes à mudança? O que são tradições senão fenómenos que se opõem à mudança?
O senso-comum está cheio de estereótipos do seguinte tipo: “Nyanjas gostam de se elevar”; “o Bitonga é cacata, agarrado, não gosta de repartir”; “os Machope comem chifototo (cobra); “os Mandau são ladrões”; “mulheres menstruadas no Norte do país não podem tocar no sal”; “os homens devem tratar bem as sogras em Nampula e Zambézia senão o casamento pode terminar”; “o casamento exige o pagamento do lobolo no sul do país para ser um real casamento”. Etc.
Claro, o discurso dos antropólogos tradicionais é, naturalmente, bem mais refinado, bem mais elegante do que o discurso do senso-comum, mas a essência é, afinal, a mesma: quadriculam o país, dividem-no em etnias, em grupos linguísticos, gramáticas culturais, hábitos, costumes, etc. Junta-se o perfume de um relatório ou de um workshop* e pronto, o prato tradicional está pronto a servir.
Se perguntarmos a um antropólogo o que acontece na região xis, ele dirá imediata e maquinalmente algo como: olhe, na região xis temos a etnia tal, o grupo linguístico tal, o casamento é matrilocal e por aí fora. Tudo com a precisão de um relógio e a solidez robusta das crenças.
É como se o país fosse um frigorífico onde cada prateleira guarda uma tradição definida, imutável. De vez em quando retira-se o produto para se provar um pouco, para se lhe acrescentar um detalhe, após o que o recolocamos lá onde deve estar, na imobilidade protegida contra os assaltos deletérios da mudança e da história.

*Aqui está um espectáculo magnífico: desaprendemos de dizer seminário e agora workshopamos por tudo e por nada, por tudo e por nada há um workshop neste país, com tudo muito organizado, mais a água mineral, o café, os bolos secos e coisas assim.

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