23 abril 2006

Ir para trás, regressar à frente

Foi entre 1974 e 1975, tempo parturiente da revolução.
Mas eu, destemido professor de história (com o arrojo de ter introduzido no liceu onde leccionava a história de África e de Moçambique contra a douta guerrilha da chefe da disciplina de História, que me dizia que isso não era história), eu, por razões que ignoro, ia para trás.
Na altura deslocava-me todos os fins-de semana a Manica, com alunos, pesquisava a serra do Vumba, estudava as pinturas rupestres, escavava a terra à procura de indícios dos misteriosos homens pré-históricos, de artefactos líticos, de esqueletos. Doce e confortável arqueologia.
A revolução a chegar, no ir para a frente, e eu a ir para trás, para a pré-história.
Mas o destino tem sempre coisas interessantes, capazes de repor o movimento para a frente.
Um dia, num domingo, eu e quatro dos meus alunos fomos duramente interceptados por uma patrulha de guerrilheiros da Frelimo. Momento duro esse: fomos acusados de estar ao serviço das forças rodesianas de Ian Smith. Andávamos ali, trazíamos picaretas, binóculos, facas de mato, etc., tudo sinais evidentes da nossa pertença ao inimigo.
Foi difícil sair daquele imbróglio, mesmo com a guia de marcha da sede da Frelimo na Beira. Até porque o primeiro guerrilheiro que nela pegou a tentou ler de forma invertida.
Mas, finalmente, lá nos pudemos libertar. Por outras palavras: eu ia para trás, para a pré-história, e a revolução obrigava-me a ir para a frente.

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