Anos atrás, eu dirigi uma pesquisa tendente a estudar o comportamento eleitoral nas primeiras eleições autárquicas realizadas em Junho de 1998, com equipas de investigadores em três províncias.
Na capital de uma dessas províncias, fui confrontado com o desespero da equipa local.
Foi-me dito que tinham fracassado todos os seus esforços para falar com membros de um partido político, pois estes recusavam-se sistematicamente a fazê-lo. Por isso os investigadores estavam tristes e não sabiam como proceder.
Um dia, nos Grundisse, Marx escreveu uma coisa lapidar: é preciso saber se a impossibilidade de solução de uma questão não está contida nas premissas da questão. Frequentemente – acrescentou ele – a única possível resposta é a crítica da questão e a única solução é negar a questão.
Efectivamente e por erro inicial meu, os investigadores trabalhavam sobre premissas clássicas: a chave para eles residia em fazer com que membros do tal partido falassem, que respondessem a perguntas.
Ora, a questão, que remetia para uma sociologia das presenças, tinha de ser negada. Negada a questão, tínhamos a reposta, a saber: recusar responder é responder de uma certa maneira.
Tinha faltado, portanto, a noção da sociologia das ausências.
Em sociologia a coisa mais importante que há é o mais pequeno detalhe ao qual ninguém presta atenção. E esse detalhe está muitas vezes ausente...sem o estar.
A ausência é uma presença.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
4 comentários:
Prof. Serra permita-me antes parabenizar-lhe por este espaço pessoal, guiado pela perspectiva de crítica permanente do social. Muita crítaica. Afinal o que é o social? É a sociedade? Nós moçambicanos constituímos uma sociedade? Ou um conjunto de mini-sociedades? O que faz de Moçambique ser uma sociedade? Como é que esta sociedade se constitui? Acima de tudo, como olhar/ler esta sociedade? São perguntas que tento me colocar e por vezes fico frustrado em não encontrar respostas. Contudo, ao visitar este espaço encontro a mesma perspectiva de pensar o social, questionando-o. Haverá respostas? Ou, se as respostas consistirão em novas perguntas? E, não ficamos na circularidade?
Talvez continue desesperado como a equipa que investigação que procurava sujeitos para a sua pesquisa que estavam sistematicamente ausentes. Foi mesmo por falta de noção da Sociologia das Ausências. Contudo, gostaria de "falsificar", temporariamente, e ao estilo popperiano a premissa desta sociologia: "recusar responder é responder de uma certa maneira", "a ausência é uma presença".
Vamos à pesquisa. Se a equipa de pesquisa pretendia colocar perguntas às quais os membros do partido no poder se recusavam a responder, o que devo concluir? Que essa recusa era uma forma de resposta. Que resposta? Por mim a resposta é simplesmente a recusa, e esta provavelmente complicou o trabalho dos investigadores. É a única resposta científica que encontro, pois o resto seriam insinuações do estilo: se se recusaram a responder é porque...; pensavam que ao responder..., etc, etc. Para mim isto não parece ter utilidade nenhuma para a pesquisa. A única coisa que eu diria é que os resultados da pesquisa (se fosse eu a conduzi-la) foram comprometidos pela recusa de certos sujeitos de responder a algumas questões minhas. E, na sua recusa não teria que me forcar a encontrar respostas. Pra mim, recusar não é responder de nenhuma maneira, é não dizer nada. Tenho que, em Sociologia (ainda sou muito novo nesta) quem cala não consente nada. Quem não esta presente, simplesmente, está ausente. E, apenas complica o trabalho do investigador. Talvez se estivéssemos no âmbito das ciências jurídicas ou criminais.
A questão é; o que se ganha em pesquisa quando se concebe a recusa como uma certa maneira de responder, a ausência como uma presença? Ajude-me prof. a perceber muito bem as premissas desta Sociologia das Ausências, tenho receio que ela nos esforce a especular.
Um Abraço
Neto Sequeira
Maputo
Bem vindo, caro Neto! Olhe, existem muitas perguntas dentro da sua pergunta. Mas vamos tentar não responder a duas delas: (1) Sobre o que é isto ou aquilo, veja as recentes entradas do blog, (2) Sobre a ausência de resposta por parte de membros do tal partido, o que eu quis dizer é que não responder é uma forma bela de determinarmos depois as razões da posição. Cada posição dá sempre origem a novos caminhos. É nesse sentido que não responder é uma caminho. Termos uma mente aberta, preparada para as bifurcações, é, em meu entender, o ideal. Creio que o Neto partiu da postura clássica: se tenho resposta tudo bem; se não, tudo mal. Um forte abraço e regresse.
É um exemplo ilustrativo que participa na configuração duma epistemologia do sul, que permita dar voz aos outros, que o pensamento hegemónico inibe ou exclui. É neste quadro, para uma sociologia das ausencias, que Boaventura de Sousa Santos tem focalizado algumas análises, embora com maior amplitude, reforçando a sua importancia ao atribuir-lhe condição estruturante de uma sociologia emergente.
parece que não houve vontade em avançar um debate que inicialmente parecia interessante e util, pelo menos no plano epistemológico e da convivencia.
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