12 outubro 2008

Linchamentos: como desarmar as mentes armadas? (5) (continua)

Prossigo esta série.
Recordam-se de que já destaquei três problemas, problemas quanto a mim fundamentais, seja na análise do fenómeno, seja na terapia ou no conjunto de terapias destinadas a controlá-lo. Ei-los:
1. O problema da criminalização de um homicida qualificado colectivo.
2. O problema da detenção de suspeitos de participação em linchamentos.
3. O problema da crença na feitiçaria.
No número anterior falei-vos do primeiro problema.Vamos, agora, ao segundo.
Em Março deste ano, o Comando Geral da polícia decidiu investigar factores e causas dos linchamentos nas províncias de Manica e Sofala, escutando dezenas de actores, em entrevistas individuais e colectivas.
A investigação, levada a cabo por uma equipa que incluía uma psicóloga e um antropólogo, revela uma polícia desejosa de ir para além da condenação e de conhecer as infra-estruturas do fenómeno. Fazendo-o, a equipa pôde inventariar vários problemas complexos, entre os quais os seguintes: criminalidade, pobreza e falta de empregos nos bairros periféricos; desconfiança generalizada nos órgãos da Justiça; adesão e participação de polícias nos linchamentos; perda do papel socializador das famílias. Os autores do relatório escreveram, então, que estamos perante a assumpção de “valores de delinquência como estratégia de sobrevivência”.
E fizeram a seguinte advertência (cerne do segundo problema que mencionei): “Detenção emocional de presumíveis linchadores pode resultar em revolta popular contra a Polícia e aumentar os índices de fúria e descambar em desordem generalizada da população contra a Polícia ou contra instituições”.
Finalmente: escreveram os autores do relatório que os linchamentos constituíram-se “como resposta a situações de insegurança das comunidades, geradas maioritariamente por grupo de jovens, sem emprego ou ocupação que propicie recursos básicos de sobrevivência”.
Nota: o editorial do semanário "Domingo" de hoje lamenta os "requintes de barbarismo" dos linchamentos ocorridos há dias na Ilha Josina Machel (conteúdo circunstanciado aqui), mas reconhece que o Estado, através da polícia, nada fez para impedir os ladrões de gado de actuarem (p. 2). Ora, o facto ilícito e culposo causador de danos aos particulares, sobretudo se revestir a forma de omissão, pode ser imputado ao serviço público que devia assegurar a segurança dos cidadãos, portanto, ao Estado. Se, como escreveu o semanário, é necessária uma legislação que enquadre "com mais realismo crimes deste género, cominando-lhe penas com suficiente capacidade dissuadora", não é menos verdade que o Estado deve ir para além da sistemática redução jurídica e penal do fenómeno e interrogar-se sobre, por um lado, as condições de vida dos cidadãos e, por outro, sobre a protecção que deve assegurar-lhes. É o problema da "visão bifocal", do qual falarei no término desta série. É, igualmente, a síndrome de Bertolt Brecht: "Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem".

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