26 outubro 2008

O "assassinato" do português em Moçambique (3) (continua)

Vamos lá a mais um número desta série, que, infelizmente, andava pendurada à minha trás.
Bem, na verdade a vida parece ser sempre um à minha trás: o que sempre foi, sempre terá de ser. Não parece ser esta a lógica simples, substantiva, imutável, da vida?
Então, se ontem dizíamos algo como O João vem à minha retaguarda e hoje tem gente que diz O João vem à minha trás, não devemos ficar preocupados com as metásteses que se infiltram nas rotinas e as transfiguram, as pervertem, as tornam impuras, as conflitam?
Não deve a língua portuguesa ser talhada de vez em suas puras e imutáveis regras, tal como os domadores de regras acabaram de fazer com o acordo ortográfico?
Mas, senhoras e senhores, o próprio de uma língua é o de ser subversiva, o de fazer amor com a quebra das regras. O próprio das língua é o de ser humana em sua ressocializacão permanente.
O nosso problema, senhoras e senhores, é, sempre, a essência, o imutável.

7 comentários:

Anónimo disse...

Ou não permitir que a inovação, a transformação natural seja tal que deixemos de nos entender, deixando a língua, consequentemente, de cumprir a sua função essencial. Já viu o que aconteceria se "passar da tua casa" comecasse agora a surgir em textos de natureza jurídica ou para efeitos legais?

Muitas transformações que hoje vemos em Moçambique são simplesmente falta de exposição suficiente a um bom modelo de língua, fortalecida por um péssimo sistema de ensino em que os professores não estão minimamente preparados para ensinar a língua portuguesa.

Se Carlos Serra ou Mia Couto usam a língua portuguesa explorando-a em toda a sua plenitude, aceitam e "brincam" com as suas transformações em Moçambique é porque dominam a norma com propriedade. Os outros devem ter o mesmo direito de adquirir esse instrumento e todo o seu potencial de afirmação e promoção social.

Anónimo disse...

De facto, muitos dos atropelamentos que vitimam a lingua portuguesa näo säo pela questäo de escolha e/ou voluntàrios, infelizmente sucedem porque a maioria näo sabe expressar-se correctamente em lingua portuguesa, oral e graficamente.
E acho que a propria dinâmica da nossa vida näo ajuda para o melhoramento desse problema. Vejamos a practica de SMS, do inglês, ''Short Message Service'', as amputaçöes aqui feitas acompanham o seu practicante no seu quotidiano. Na leitura e escrita das mensagens é a onde, também, deviamos aproveitar a practicar a lingua.
Agora introduziu-se o sistema dos exames ''multichoice'', bom, ele pode ser bon em muitos aspectos mas para um aluno exercitar a escrever correctamente, acho eu que ajudam muito pouco.

Félix

Carlos Serra disse...

De acordo com as críticas de ambos. Mas creio que os diferentes matizes do português em curso no país irão consolidar-se, independentemente do que fizermos nas escolas. Uma língua é o conflito permanente entre as regras e a "rua" da vida.

Anónimo disse...

Professor, em qualquer país as línguas são dinâmicas. Até mesmo o francês em França, com dicionários e gramáticas, academias e tudo o resto. O Francês, como sabe, já não usa o imperfeito do conjuntivo, que a nossa geração ainda aprendeu nas escolas. Não é essa disciplinarização que impede o desenvolvimento das línguas, nisso tem toda a razão. Uma coisa é procurar uma certa ordem social, outra é pôr espartilhos à língua, como fizeram, por exemplo, o Marquês de Pombal no Brasil e, reconheçamo-lo, a Frelimo em Moçambique, proibindo o uso das línguas bantu em certos meios nos primeiros anos após a independência. Desde que faladas, as línguas evoluem por si. O Português evoluiu sempre, e de formas diferentes nos diferentes espaços, e já tem gramáticas desde o século XVI.

Uma coisa é admitir transformações, outra é ser liberal e paternalista. Uma é gostarmos de estudar os fenómenos de mudança, outra é permiti-los cegamente, mesmo sem estarem consolidados e aceites como norma. E a norma é uma coisa, a manifestação da língua na fala é outra, sabemo-lo também.

A nós, o que nos falta é exactamente isso: definir o que já tem estabilidade e considerá-lo nossa norma, independentemente da forma de como viermos a falar uns com os outros nos diferentes registos. Se estudar isso a fundo, verá que - questões vocabulares à parte - é muito pouco o que já se encontra verdadeiramente estável podendo ascender à norma.

Carlos Serra disse...

Obrigado pelo que escreveu.

Anónimo disse...

Para se fazer bem uma caricatura é necessàrio conhecer ''excelentemente'' a exucuçäo fiel de um retrato. Agora, a normalizaçäo de um ''PM'', português moçambicano, se me permitem, acho, infelizmente, que vai ser um caso igual à este: fazer uma caricatura por incapacidade de executar fielmente um retrato.
Näo estou querendo dizer que a evoluçäo da lingua portuguesa em Moçambique espere que todos os moçambicanos aprendam a falar e escrever correctamente, longe de mim.

Félix

Anónimo disse...

Aqui no Brasil fala-se "O João vem atrás de mim".