02 março 2008

Linchamentos, eclipse do social e bodes expiatórios (6) (prossegue)

"O contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia" (Heráclito)
Imediatamente, como molas rapidamente distendidas por contágio, um bocado de todos os lados, todos berrando, todos exigindo punição, os moradores, sem distinção de sexo e de idade, saem das suas casas de blocos, armados com tudo o que puderam encontrar, catanas, paus, enxadas, não importa o quê. Está rapidamente formada a multidão linchadora e mimética.
O ladrão ou o suposto ladrão é interceptado. Tentar impedir isso representa imediato risco de vida. A multidão age sem freio. Segue-se o linchamento. Agride-se duramente, todos agridem, todos querem agredir, é fundamental agredir, é como se uma necessidade vital, da natureza estrangeira ao social e à razão, coloca-se um pneu no pescoço da vítima já semi-consciente, chega-se-lhe petróleo, alguém acende um fósforo. O linchado é queimado vivo, por todo o lado se berra.
É a conclusão sacrifical, a catarse, a purificação, a libertação dos males acumulados, da poluição social. Não importa se a vítima é ou não culpada, o que conta é que ela representa o bode expiatório que deve receber toda a mágoa social acumulada, ela é a peça vicária fundamental.
Os moradores julgam, dessa forma, que o social foi restabelecido, que a identidade foi recuperada, que o mesmo deu, de novo, lugar à diferença, a diferença entre a segurança e a insegurança.
A sua mensagem é polissémica: eles advertem os governantes de que também são capazes de violência e de punição, de que também têm leis alternativas, de que são capazes de organizar as suas vidas, de que são capazes de encontrar soluções quando as normais não chegam de onde deviam chegar.

1 comentário:

Carlos Serra disse...

Obrigado pela honra.