02 março 2008

Linchamentos, eclipse do social e bodes expiatórios (3) (prossegue)

"O contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia" (Heráclito)
Permitam-me colocar aqui algumas notas sobre a morfologia dos bairros periféricos da cidade de Maputo, espécie de concentrado nacional, com gente vinda um pouco de todo o país. Por hipótese, Maputo guarda coeficientes de violência disponível em escala maior do qualquer outra cidade do país. Os seus bairros periféricos são formados por um imenso casario de blocos, aqui e acolá por choupanas de caniço. Estreitas ruelas atravessam as casas muito juntas umas às outras. Estas têm regra geral iluminação, os moradores tudo fizeram e fazem para que um ramal de energia lhes chegasse e lhes chegue a casa. Se não há energia, há xiphefo (lamparina). Porém, à noite não existe iluminação externa. As ruelas ds bairros ficam mergulhados na escuridão. A electricidade de estrada está distante, nas estradas de grande circulação, como, por exemplo, a estrada nacional n.º 1, a Avª Vladimir Lenine, a Avª de Moçambique, lá onde passam à noite os polícias.
As barracas preenchem o quotidiano das pessoas. À noite, as aparelhagens fazem-se ouvir até muito tarde. Nesses bairros existem regra geral postos policiais (mas o da Zona Verde, por exemplo, não tem) , mas poucos são os que têm polícia comunitária. Contudo, segundo os meus depoentes os postos policiais são insuficientes e de poucos meios logísticos dispõem. Não têm, por exemplo, viaturas.
Nos bairros moram milhares de pessoas, que foram afluindo desde a guerra civil e procedendo a uma ocupação regra geral sem ordenamento municipal. Os agregados familiares são enormes, existindo famílias com mais de nove membros ocupando uma mesma casa. Um dos meus entrevistados falou mesmo em famílias com 15 membros.
Parte significativa dos moradores é jovem, está desempregada ou vive de biscatos, como, por exemplo, do comércio informal. Além dos vendedores informais, moram nos bairros professores, operários, encarregados de limpeza, modestos trabalhadores dos serviços do Estado, etc. O chapa é o meio de transporte, apanhado regra geral nas vias de grande circulação.
Os bairros populares da cintura de Maputo são procurados pelos pastores de igrejas diversas, regra geral protestantes. Por todo o lado, quase, há pequenas igrejas. Um dos meus depoentes disse: "Igrejas aqui é mato!" (bairro Polana Caniço A). As igrejas zione, por exemplo, estão povoadas por mulheres - "as que mais problemas sociais têm", disse uma moradora do bairro Ferroviário das Mahotas. Os curandeiros perderam aparentemente terreno diante dessas igrejas, que surgem como cogumelos face à necessidade local de sentido para a vida.
À noite, as barracas enchem-se, bebe-se e, muitas vezes, fuma-se suruma; à noite, também, regressam a casa trabalhadores e estudantes.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde professor, parabens por mais esta serie coma qual nos brinda. Um pequeno comentario, desde a chegada administrativa do colonialismo Portugues que os curandeiros vem tentando ser feitos desaparecer, mas eles nunca desapareceram e apesar de serem algumas vezes visiveis a essencia da sua actividade e oculta, e a noite ou de madrugada que o curandeiro opera preferencialmente, excepcoes quando em sua casa ou em cerimoniass de caracter publico. E agora com os especialistas interprovinciais e internacionais que afluem ate publicidade ganham. E existem relatos de idas de pastores aos curandeiros para reforcar a capacidade de encher as igrejas. Apenas um outro lado da historia, que penso complementa a aparente supremacia da igreja sobre os curandeiros, a igreja e iminentemente publica e visivel e o curandeiro nao, mesmo quando e publicitado.

Carlos Serra disse...

Muito obrigado pelo reparo. Tê-lo-ei absolutamente em conta no livro em curso.