02 março 2008

Linchamentos, eclipse do social e bodes expiatórios (4) (prossegue)

"O contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia" (Heráclito)
Prossigo a série, centrado nos bairros periféricos da cidade de Maputo. O principal problema é o desemprego, disseram-me os meus entrevistados. A vida assume, por isso, para milhares de pessoas em busca de sentido na vida, a feição generalizada do desenrasca, do salve-se quem puder. Se não há emprego local ou na grande Maputo (serralharias, padarias, como no Bairro Polana Caniço A), as pessoas enveredam pelo comércio informal, ambulante ou fixo em dumbanengues, cujos ganhos são modestos e contingentes. E/ou pelo roubo. Os preços encarecem, petróleo, pão e arroz custam caro. Mas tantas outras coisas também.
Quando a noite chega, chegam também o tormento e a inquietação. Os meliantes espreitam os incautos, chegam, em grupos, a bater à porta das casas. O roubo campeia. Dentro das casas os alvos preferidos são as aparelhagens e os aparelhos de televisão; fora delas, nos becos, nas ruelas, são os celulares e o dinheiro. Bairros preocupantes nesse campo são, por exemplo, o Ferroviário e o Saul.
Os moradores queixam-se à polícia dos roubos. Mas, segundo os meus depoentes, os ladrões são pouco tempo depois soltos pelas famílias a troco de dinheiro. Acresce que, segundo ainda os depoentes, as pessoas estão cansadas, também, da polícia comunitária, a quem acusam de corrupção e de maldade.
Mas a noite é, também, com escrevi no número anterior, a noite das barracas e das aparelhagens com o som no máximo prolongando-se até altas horas, em meio ao álcool e à suruma.
Deixados à sua sorte, vítimas de uma violência multilateral (do desemprego ao roubo), não confiando na polícia, os moradores estão psicologicamente preparados, eles também, para serem violentos. Basta uma pequena faísca para que essa violência tome curso.

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