18 abril 2006

Fotografia sociológica das cidades moçambicanas

É nas cidades moçambicanas onde toma curso o complexo mundo do informal (que é, afinal, o nosso verdadeiro mundo formal), mundo da nocturnidade para alguns, mundo da diurnidade real para a maioria, mundo da mestiçagem, heterogénea panóplia de actores, de práticas e de processos, federados todos na marginalidade em relação ao oficial e à lei mas sem quebrar os laços com ambos, onde tudo se vende (incluindo pontos de exame, drogas, armas e medicamentos) numa permanente negociação sem recibo, onde os preços são feitos e refeitos a cada instante ao sabor do poder estruturante do aleatório, onde o inesperado e a ambivalência são a regra, onde a racionalidade económica e a impiedosa luta pela sobrevivência pagam tributo à afeição, ao dom e às redes de solidariedade[1], aos espíritos e à contra-feitiçaria[2], mundo onde as línguas originais são, afinal, línguas crioulas, mundo onde os processos de exclusão social são permeados pela inclusão das representações sociais e da cultura dos centros hegemónicos de bem-estar, mundo do ruído, das aparelhagens com o som no máximo, das querelas, das negociações, da vida permanentemente a descoberto, face a face, à vista de todos.

[1] Veja Latouche, Serge, L'autre Afrique, entre don et marché. Paris: Albin Michel, 1998, passim.
[2] A hipótese é a de que a feitiçaria cresce na razão directa da insegurança quanto ao futuro. Não se pode acumular senão para redistribuir. Não o fazer, é arriscar-se a uma acusação de feitiçaria.

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