A pesquisadora brasileira Jacqueline Sinhoretto esteve o ano passado em Maputo, a meu convite, participando num seminário sobre linchamentos em Moçambique. Da sua intervenção, destaco a parte final, que considero admirável:
"A descrição do campo de resolução de conflitos tornou-se complexa, já que não se trata de simplesmente aceitar a violência quando o Estado falha, ou de aceitá-la como parte da natureza humana ou como um direito tradicional. A perspectiva dos sujeitos estudados por essa pesquisa é a de quem está nas franjas do Estado de direito, imaginando como seria bom estar incluído, mas sofridamente constatando a sua condição marginal e relatando os efeitos da exclusão.
A consciência da desigualdade transita para a consciência da injustiça social. Os alvos da revolta, porém, são identificados em agentes estatais que deturpariam a função idealmente concebida das instituições – não nos formuladores e executores de políticas públicas excludentes – e nos criminosos individuais, agentes imediatos e concretos da violação da segurança das famílias locais. E, por essa consciência, a periferia urbana se reconhece como uma realidade geográfica à parte, desprovida da rede urbana dos bairros centrais, mas também como uma periferia política que não teve e não terá forças para alterar os processos pelos quais permanece recoberta por um Estado de direito rarefeito. Por isso, a revolta elimina o inimigo concreto, mas não cria condições efetivas de participação dessa periferia na formulação e implementação de políticas com efeitos de redução da insegurança. Os linchamentos estudados, então, embora localmente interpretados como movimentos de revolta contra a insegurança e a ineficácia das políticas públicas, são uma expressão conservadora, na medida em que não criam a possibilidade de alternativas sociais para o futuro – a ação coletiva nesse caso se encarrega das tarefas desprezadas pelas instituições estatais, com a oferta de sua própria justiça, mas não possui ação transformadora sobre as instituições estatais. E, incontestavelmente, não podem ampliar o Estado de direito, por serem sua própria antítese, curiosamente produzida a partir de seus fragmentos.
Superar o impasse promovido pela reivindicação da ordem através da desordem, do império do direito através da violência, da legalidade por atos ilegais, parece ser o grande desafio da construção democrática. Se os velhos consensos em torno do mecanismo de vingança familiar já não dão conta de resolver questões de uma sociedade mais complexa, com formas criminais diversificadas, se já não há consenso sobre as exclusões do sistema oficial de justiça, parece fácil concluir que seja o momento de rediscutir coletivamente os consensos sobre o exercício do controle social e ampliar a abrangência do Estado de direito através da incorporação das demandas populares de segurança, reduzindo a desigualdade política e reconstruindo as políticas de segurança e justiça em bases mais igualitárias.
E se parece fácil agora concluir o texto sociológico, a dificuldade será reposta com a pergunta sobre os caminhos desejáveis para a ação democrática, transformadora, capazes de nos conduzir, com a menor perda de vidas e liberdades, a uma sociedade mais justa. Puxa, que coisa difícil de responder! Que ideal fascinante a perseguir!" (In Linchamento é uma revolta popular. Mas contra o quê? , Maputo, 2007).
A consciência da desigualdade transita para a consciência da injustiça social. Os alvos da revolta, porém, são identificados em agentes estatais que deturpariam a função idealmente concebida das instituições – não nos formuladores e executores de políticas públicas excludentes – e nos criminosos individuais, agentes imediatos e concretos da violação da segurança das famílias locais. E, por essa consciência, a periferia urbana se reconhece como uma realidade geográfica à parte, desprovida da rede urbana dos bairros centrais, mas também como uma periferia política que não teve e não terá forças para alterar os processos pelos quais permanece recoberta por um Estado de direito rarefeito. Por isso, a revolta elimina o inimigo concreto, mas não cria condições efetivas de participação dessa periferia na formulação e implementação de políticas com efeitos de redução da insegurança. Os linchamentos estudados, então, embora localmente interpretados como movimentos de revolta contra a insegurança e a ineficácia das políticas públicas, são uma expressão conservadora, na medida em que não criam a possibilidade de alternativas sociais para o futuro – a ação coletiva nesse caso se encarrega das tarefas desprezadas pelas instituições estatais, com a oferta de sua própria justiça, mas não possui ação transformadora sobre as instituições estatais. E, incontestavelmente, não podem ampliar o Estado de direito, por serem sua própria antítese, curiosamente produzida a partir de seus fragmentos.
Superar o impasse promovido pela reivindicação da ordem através da desordem, do império do direito através da violência, da legalidade por atos ilegais, parece ser o grande desafio da construção democrática. Se os velhos consensos em torno do mecanismo de vingança familiar já não dão conta de resolver questões de uma sociedade mais complexa, com formas criminais diversificadas, se já não há consenso sobre as exclusões do sistema oficial de justiça, parece fácil concluir que seja o momento de rediscutir coletivamente os consensos sobre o exercício do controle social e ampliar a abrangência do Estado de direito através da incorporação das demandas populares de segurança, reduzindo a desigualdade política e reconstruindo as políticas de segurança e justiça em bases mais igualitárias.
E se parece fácil agora concluir o texto sociológico, a dificuldade será reposta com a pergunta sobre os caminhos desejáveis para a ação democrática, transformadora, capazes de nos conduzir, com a menor perda de vidas e liberdades, a uma sociedade mais justa. Puxa, que coisa difícil de responder! Que ideal fascinante a perseguir!" (In Linchamento é uma revolta popular. Mas contra o quê? , Maputo, 2007).
4 comentários:
Ponto de Vista
Estudante Universitário" Ciencias Humanas" Administração/ UNICAMPO- Paraná Brasil
Professor Serra, eu penso que o senhor como sociologo entende mais dos movimentos sociais, mas como os governantes do dia em nosso país estão com vergonha de falar as verdades em libertação desse povo sofrido.
Se o governo do dia tivesse interesse e boa estratégia de inclusão social, eu a credito que com os 7 milhões destinados ao desenvolvimento do distrito algo de melhor aconteceria. Mas, infelizmente todo aquele dinheirão é só para alimentar os membros da Frelimo na base, se eu estiver a mentir alguem que vá para Namarrói na província da Zambezia lá onde Guebuza colou governador que não sabe falar Português "Carvalho Muareia" ver o que a madam "administradora" está fazendo lá no terreno, moagens de 60.000.00 são superfacturadas a 150.000,00 e ela entrega os interessados para depois reembolsarem o dinheiro no prazo de 1 ano com juros de 6%.
Essas manifestações é o resultado da cassete"combate a pobreza absoluta" que não tem efeitos palpáveis no terreno. Eu não vou exagerar mas posso dizer que durante este mandato do mano guebas os moçambicanos regredíram em diversas areas, o que era horzontal tornou vertical, o que era visão holistica tornou inolistica isso é perigoso para o país, quem tem olhos para ver consegue ver, quem tem cabeça para pensar já pensa o que sera depois dessas manifestações e linchamentos.
Eu me lembro quando estava em Maputo entre dias 4 a 6 de Fevereiro/2008 quando o jornal noticias citava os nomes dos dez moçambicanos mais ricos, toda lista só frelimistas, 1º lugar o cidadão Armando Emilio Guebuza isso revela claramente que em moçambique reina a teoria da conspiração.
O povo moçambicano é um povo honesto só o governo do dia esta acabando com a paciencia dos moçambicanos, agora já explodiu como pôr a ordem melhor seria prevenir.
As barreiras que tantos moçambicanos têm de conseguir uma oportunidade também é uma das causas de frustração do povo. Só para ter uma ideia todas manifestações são promovidas na sua maioria de crianças e mulheres, isto porque qualquer inquietação social afecta mais esse grupo social.
Para terminar eu poderia colocar algumas propostas mas, infelizmente não poderei porque o nosso governo é arrogante.
...Por isso, a revolta elimina o inimigo concreto, mas não cria condições efetivas de participação dessa periferia na formulação e implementação de políticas com efeitos de redução da insegurança...Pesquisadora brasileira Jacqueline Sinhoretto
Muito interessante o texto que o professor postou da pesquisadora Brasileira so acho que a eliminação do inimigo concreto desperta explicitamente os policymakers para necessidade de melhorar a segurança social e dependendo das caracteristicas concretas do sistema politico e do tipo de liderança talvez possa gerar efeitos de redução da insegurança.
Mas para que isso aconteça é necessario que o estado entenda a morfologia da violência.
Maxango
Os linchamentos, as manifestações populares, são um fenómeno que requer bem mais do que condenação. Exige a vontade política de reconhecer os problemas que Jacqueline coloca.
UNIVERSITÁRIO/ PARANÁ BRASIL
CIÊNCIAS HUMANAS APLICADAS(ADMINISTRAÇÃO)UNICAMPO
Olá professor Serra Deus abençoe o senhor
Professor eu gostaria de ouvir o Centro de Estudos Africanos, os linchamentos, manifestações e violências que se verifica quase em toda África em particular em moçambique que contibuição o Centro dá para sensibilizar os africanos de modo a superarem essas situações?
Sabe por quê professor? Eu estou sentindo que os que estão no poder parece estarem a favor de conflitos, temos casos como zimbabwe, Quenia e agora acabei de ler uma noticia no Canal de Moçambique em na Zambezia os agentes da SISE e PIC estão fazendo espionagem aos membros e simpatizantes da Renamo e até quase que inviabilizaravam o encontro do líder com os seus membros. Isso revela claramente que os que estão no poder são responsaveis pelas varias inquietações da sociedade africana, não faz sentido que o governo de moçambique instrumentalize pessoas que têm consciencia de que ganham o dinheiro das contribuições do povo para trabalharem contra a vontade do mesmo povo.
Eu agora chego a concluir que a pobreza na africa é o resultado da má governação. A desorganização dos chefes de estados contribui bastantemente na pobreza e conflitos que até certo ponto desequilibram o continente inteiro.
Eu me questiono será que africa é o inferno?
Por quê é que os chefes de estados africanos são tão ignorantes a novas tendências do mundo globalizado? realizam tantas viagens para os países do primeiro mundo para troca de experiência mas, nada muda na vida da sociedade africana.
Alternativas para alterar o cenário seria eleições transparentes, democracia dar o poder o povo e governação alternada por meio de eleições livre, justa e transparente.
No caso de moçambique já o problema não é da oposição como sempre o governo justificava os problemas sociais alegando que a oposição é que agitava as pessoas agora o povo chegou a ponto de enfrentar o governo, hoje é manifestações violêntas amanhã será uma guerra civil contra os dez moçambicanos mais ricos que sugam dos outros. Quem tem fome não tem medo de enfrentar a morte.
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