21 março 2008

Existe o zicoísmo? (6) (prossegue)

Prossigo a série.
Mas antes de a prosseguir, deixe-me preveni-lo de uma coisa: não analisarei um vídeo, gentilmente enviado por dois leitores, no qual Zico (ou Ziqo) surge fazendo sexo com uma mulher. E não analisarei o vídeo porque não sei se ele tem uma relação directa com a canção que suscitou esta série, porque ignoro o seu contexto.
Vamos lá, então.
O zicoísmo é um sistema. Palavra forte, palavra que dá um horizonte ao Zico, jovem que anteontem vi na televisão Miramar em programa promotor da sua alma benemérita, pois mostrou que está a ajudar uma família desfavorecida.
O zicoísmo é um sistema na medida em que se constitui enquanto emissor kitsch do corpo sexualizado na sua vertente mais instintiva, mais facilmente manipulatória, mais colada ao lado escondido dos desejos sexuais, frequentemente recalcados, manietados: a sua explosão plena, digamos que canina. Esta explosão atravessa em permanência o Maboazuda e o Nakudjula Hi Doggystile. É o fun-system erigido em fim de si próprio, o drugstore dos instintos de consumo imediato.
Mas o zicoísmo (que tem outros popmilitantes a vários níveis no nosso país) é bem mais do que isso: é, especialmente, num ritmo musical que sinto agradável, um sistema produtor de afasia mental. O hino aos sentidos - projectados no clímax do quero à moda do cão - é, ao mesmo tempo, um hino à descerebralização, à evacuação do manifesto pensante, da arqueologia do social, da clínica dos seus fundamentos.
O zicoísmo - que é também um emissor masculinocrata de sinais de poderio imperial sobre o corpo feminino - oferece um pronto-a-consumir fácil: façamos sexo e deixemos de pensar. O zicoísmo configura-se como um amortecedor da adrenalina política, é como se uma versão menor daqueles paraísos programados do Aldous Huxley, do melhor dos mundos, nos quais se deixou de pensar.
Tenho para mim que o zicoísmo (algo bem mais complexo do que a mera música pimba) começa onde, efectivamente, deixamos de pensar. Subvertor do nosso cancioneiro popular e urbano, é um sistema de pensamento despensado e dispensado, desmotorizado, desactivado, expulso. Ele é verdadeiramente o anti-azagaísmo, um soporífero, num país que, a partir de Maputo, vive uma modernidade capitalista rápida que produz em muitos cidadãos a consciência aguda das injustiças e das desigualdades sociais, essa consciência cantada por Azagaia.
Nota: a qualquer momento posso rescrever coisas aqui, o que, a suceder, assinalarei a vermelho.

2 comentários:

Ivone disse...

Escrevi no meu blogue um artigo sobre a pornografia versus erotismo e refiro-me a este artigo seu. Aqui na Holanda temos este problema há mais tempo. Há quem se refira a este país como o 'Reino da tolerância', mas aqui já ninguém consegue ver as coisas com clareza e fazer a diferença. Gostava que visse e comentasse o que escrevi.

Carlos Serra disse...

Desculpe só agora aqui entrar. Vou já ao seu blogue.