07 agosto 2007

Ensino bilingue em Moçambique - um trabalho de Fátima Ribeiro (4) (fim)

ENSINO BILINGUE EM MOÇAMBIQUE:
PREOCUPAÇÕES QUE DEVIAM SER DE TODOS

Por Fátima Ribeiro

O risco e as prioridades nacionais
Visitei em 1980, na extinta RDA, um centro de formação de professores, escolas primárias e um museu sorábios (ou ‘zórbios’, como também me dizia a intérprete), de excelente qualidade. Ali vi os grandes esforços que um Estado empreendeu para defender o que considerava um direito desta minoria eslava de uns 50.000 habitantes (outros tantos residiam na Polónia). Mas ouvi também, invariavelmente, o lamento de os pais não corresponderem a esse esforço, por considerarem mais importante inscrever seus filhos nas escolas alemãs, que tinham constatado oferecer mais garantia de um futuro seguro.
Estive forte e entusiasticamente envolvida, durante quatro anos, num modelo de ensino inovador, considerado piloto na altura, o das Escola Secundárias da FRELIMO. Embora riquíssimas algumas das experiências ali vividas, merecendo replicação nos nossos dias (as disciplinas de Educação Sexual e Produção Agropecuária, a introdução do inglês na quinta classe, o esforço de produção para autoconsumo, a machamba experimental e o que permitia na divulgação de melhores técnicas de produção agrícola à população vizinha, a participação efectiva de alunos, professores e outros trabalhadores no processo de gestão da escola), era verdadeiramente utópica e insustentável a ideia de pretender expandir tal modelo à escala nacional, como aliás a própria prática acabou por revelar. Porque era impossível manter um corpo de professores com o entusiasmo, a disciplina e a dedicação dos que tinham criado o sistema em Bagamoio, na Tanzânia, e os do momento de euforia da independência. Porque era um sistema completamente isolado da realidade global do país. E porque, com absolutamente todas as despesas em dinheiro dos mais de mil alunos que o frequentavam nas escolas de Ribáuè, Mariri e Namaacha cobertas pelo Estado, eram grandes e incomportáveis os custos que acarretava.[1]
Com o ensino bilingue em Moçambique sinto que embarcámos em mais um programa do género dos dois anteriores, cheio de bons princípios, boas vontades e outras virtudes, e até acredito que, como programa “experimental”, alvo de todas as atenções dos envolvidos a nível macro – o Ministério da Educação e Cultura (MEC), o INDE, os doadores, os técnicos e activistas das ONGs de implementação – e contando com grande empenho dos professores e comunidades para quem constitui novidade, esteja a dar alguns resultados positivos em algumas das 72 escolas em que está a ser implementado. Mas a sua expansão, a breve passo, à escala nacional, envolvendo milhares de professores e vastíssimos milhares de alunos (quantos, quem sabe?), para além de, por falta de sustentabilidade e um mínimo de qualidade, poder pôr em grande risco a educação das próximas gerações, consome recursos que poderiam ser usados, seguramente com mais eficiência e eficácia, em outros desafios urgentes:
1. a defesa física da nossa população, dos nossos professores, dos nossos estudantes, através da prevenção do HIV e do acompanhamento e tratamento dos que já estão infectados.
2. a educação para todos, que seria melhor conseguida sem tão grande e problemática mudança estrutural no sistema nacional de educação[2].
Não tenho dúvidas de que, por utilizar a língua materna do aluno, também língua do local em que a escola se insere, o ensino bilingue permitirá uma mais suave integração da criança na escola, uma melhor relação aluno-professor e uma mais profunda ligação escola-comunidade. Por experiência própria, sei que a utilização de uma língua que o aluno domine torna mais fácil a transmissão e aquisição de conceitos, mesmo que inexistentes nessa língua. Nenhum destes efeitos tão propagados pelos técnicos do sistema ponho em causa. O caminho por que estamos a enveredar, no entanto, afigura-se-me um mar de problemas sem soluções à vista num horizonte temporal previsível, quando tantos outros exigem de nós igual ou mais urgente atenção.
Sem que sejam acauteladas as preocupantes questões que aqui apresento, a utilização das línguas moçambicanas como línguas de ensino não bastará para que melhorem os resultados da aprendizagem (real, acrescento) – razão primeira alegada para a introdução do ensino bilingue em Moçambique. Em colapsando esta modalidade, ou se o desdobramento de esforços e outros impactos directos e indirectos vierem a tornar ainda mais frágil e deficiente a vertente monolingue do sistema nacional de educação, a quem vamos pedir contas?
Em jeito de minha retirada de toda esta problemática, recordo, de memória, um dos textos dos primeiros livros de leitura do Moçambique independente: “Nós é que fazemos o nosso destino”.

Maputo, 3 de Agosto de 2007

NOTAS
[1] Ainda está por fazer uma análise profunda da particular, rica e controversa experiência destas escolas, para que se tirem as devidas lições.
[2] Embora para este objectivo, no caso de Moçambique, se devesse considerar o adiamento da meta 2015, para se conseguir um melhor equilíbrio entre a quantidade de alunos e a qualidade da educação.

5 comentários:

Salvador Langa disse...

Mana Fatima fala a verdade.

Anónimo disse...

Na Europa diz-se que quanto mais cedo se aprende uma língua, melhor. Para Moçambique e para os chamados países em desenvolvimento parece dizer-se o contrário com a aprendizagem do português, do francês ou do inglês. Mas quantas crianças moçambicanas entram logo na primeira classe para a escola internacional, ou a escola italiana, ou a francesa, ou tantas outras, sem que os pais falem essas línguas em casa e pouco depois elas estão perfeitamente integradas? O problema essencial está na formação dos professores e na metodologia utilizada.
Outro problema que se pode pôr caso o modelo de ensino bilingue falhe é o de se acentuarem as diferenças entre a cidade e o campo.

Anónimo disse...

Obrigada Esfinge, obrigado anónimo pelos comentários.

Concordo plenamente com essa identificação do problema de fundo no insucesso escolar: são os métodos utilizados, a deficiente formação dos professores e os meios de ensino que mais condicionam os resultados da aprendizagem em Moçambique. A questão da língua de ensino não ser a materna é uma agravante, não o factor condicionante. A esse respeito, seria interessante saber-se qual a percentagem de crianças em idade escolar com português língua materna na cidade de Maputo, onde também é muito fraco o aproveitamento escolar.

Em minha opinião, era preciso que se revissem os métodos utilizados no ensino de português nas primeiras classes do ensino primário. É um erro a esse nível pensar-se no português apenas como "língua segunda" e dar-se tanta ênfase ao ensino da terminologia gramatical. Em muitas das nossas escolas, talvez por todo o país com excepção das cidades e sedes distritais, o português devia ser ensinado com metodologias próprias de ensino de língua estrangeira.

Quanto à educação bilingue, espero que quem de direito faça a devida reflexão para que a arriscadíssima aventura em que teimosamente apostamos não nos venha a sair tão cara, em todos os aspectos, quanto neste momento se me afigura. A meu ver, e como propus em 2005, havia outras alternativas menos problemáticas e mais eficazes nas nossas condições para a fase bilingue - necessária, sem dúvida - e subsequente manutenção da língua materna no sistema de ensino.
Fátima Ribeiro

Anónimo disse...

Correcção:
"Obrigada, Esfinge, obrigada, Anónimo", leia-se, por favor.
Isto de escrever e fazer o "publish" sem controlar devidamente...
Fátima Ribeiro

silcia susie soares disse...

visitei seu blo, pois estou pesquisando sobre o bilinguismo na minha univrsidade no brasil. um abraco