O fundamental a reter é digamos que o consenso elitário em torno de uma africanidade essencial, biologizada e a-histórica, agindo homeostaticamente em todos os Africanos, operando a modos de um tropismo ou de um reflexo pavloviano[1]. Nas palavras de Balandier, como se fixadas num eterno presente etnográfico[2]. Um bom e recorrente exemplo é o de muitos de nós dizermos serena e quantas vezes publicamente que a norte do Zambeze as populações são matrilineares e a Sul, patrilineares, como se só esse pudesse ser o fatal e congelado destino dos Moçambicanos. Na realidade, abunda, tenaz, a «afrociência» do tipo «é assim que as coisas são em África». Como na ideia finalista das «disposições estabelecidas pela natureza», diria Engels, muitos de nós defendemos que os Africanos foram feitos para serem tradicionais, tal como «os gatos foram criados para comer os ratos, os ratos para serem comidos pelos gatos, e o conjunto da natureza para testemunhar a sabedoria do criador»[3].
_______________________________
[1]Na minha modesta carreira de professor universitário, tenho encontrado com frequência um tipo de estudante para quem a sociedade africana não tem outra alternativa senão a de repetir-se. Por exemplo, ao escolherem ritos iniciáticos como temas dos seus trabalhos, vários alunos metem-nos invariavelmente numa camisa de forças cujos elos de ligação são os verbos no presente, do género: «Na minha terra, os ritos de iniciação são constituídos da seguinte maneira...». Será interessante estudar um dia este congelamento ao qual não escapam, mesmo e sobretudo, certos doutos professores da antropologia cá da terra, os teorizadores. Se lhes disserdes que «por trás» de um rito iniciático existe uma permanente e frequentemente invisível convergência de feixes de historicidade e temporalidade diversas, olharão para vós com ar de incredulidade. Claro: cometeis uma heresia e estragais a tranquilidade das calmas águas antropológicas.
[2]Balandier, Georges, Sens et puissance. Les dynamique sociales. Paris: Quadrige/ Presses Universitaires de France, 1986, 3e éd, p. 37.
[3]Engels, Friedrich, Dialéctica da Natureza. Lisboa: Editorial Presença/ Livraria Maria Fontes, 1974, p. 17.
1 comentário:
Brilhante!
Enviar um comentário