13 maio 2006

O país real

O jornalista Pedro Nacuo escreveu, a partir de Pemba, uma crónica corajosa.
A cidade está um horror, disse ele, a todos os níveis, no saneamento, na qualidade das estradas, no lixo acumulado, etc. Ninguém faz nada. Seria óptimo, propôs ele, que o presidente da República visitasse a província de Cabo Delgado de surpresa, numa visita tipo “tsunami” (sic), para verificar “quanto esforço os seus compatriotas empreendem para falsificar a realidade objectiva” (sic) do “país real”(sic).
Por idêntico diapasão e a propósito de vários outros tipos de problemas a nível nacional, alinha Paulo António, na mesma página do “Notícias de hoje” (p. 5), falando em “relatórios belíssimos” (sic) encobrindo a realidade.
Claro que a situação piora se deixamos as cidades e entramos nas zonas rurais.
Estamos num país onde ninguém penaliza ninguém, onde os dirigentes se mantêm façam o que fizerem ou não façam o que devem fazer.
O presidente Samora fazia as famosas visitas “tsunami” quando da Ofensiva Política e Organizacional dos anos 80 e ainda hoje é recordado por isso mesmo. O ministro da Saúde reimplantou o método.
Porém, apesar do nosso esforço e da nossa ânsia, quantas vezes desesperada se somos honestos, em acreditarmos que o presidente ou o ministro podem ser deuses profanos, messias capazes de, finalmente, endireitarem este barco à deriva, o problema é que as aspirinas apenas atenuam temporariamente os efeitos da maleita nacional.
A imprensa independente dá-nos, periodicamente, conta de uma porção de irregularidades e de escândalos ao nível da governação. Mas nada acontece: a pedra cai no charco, há uma agitação momentânea e depois tudo regressa ao mesmo.
Existe uma distância abissal entre aquilo que o presidente da República propõe e lhe fazem ver ou entre os laudatórios e nefelibatas discursos dos gestores do país na Assembleia da República e aquilo que, na realidade, acontece e vai acontecendo e parece nunca mais deixar de acontecer.
E não existe qualquer força, seja da oposição, seja da “sociedade civil”, capaz de fazer alterar a situação.
Enquanto isso, vamos, regularmente, invocando as desgraças reais que nos afligiram e afligem (calamidades naturais, HIV/Sida) para justificarmos e escondermos o que não fazemos e não queremos fazer.
Falamos, com orgulho e urgência, na mudança de mentalidade que importa operar, como se a mentalidade estivesse fora do meio social onde nasce, da realidade da qual é oriunda e lubrificada em permanência. Queremos mudar mentalidades sem querermos mudar a terra onde elas nascem e se reproduzem. Somos, ao fim e ao cabo, como o bom do barão de Münchhausen, capaz de sair do pântano onde caíra apoiando-se sobre o seu próprio sistema capilar.
Não têm os four by four, as vivendas de luxo e as permanentes presenças nos fóruns internacionais, afinal, bem melhor gosto?

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