Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
24 abril 2006
Os motejos dos jovens dos dumba-nengues
Nos dumba-nengues das cidades do nosso país é interessante conhecer as formas pels quais os jovens motejam das mulheres, dos mais velhos, etc. A forma de ataque é verbal na maior parte do casos. O discurso dos jovens é raramente argumentativo (não fazendo recurso a partículas de ligação com valor temporal, notações cronológicas rudimentares ou frases de ligação do género "então", "e", "porque", "dado que", "uma vez que", "se não fosse assim", etc.), ele é especialmente informativo, classificativo (de um classificativo rude e metafórico) e disjuntivo; é um discurso que não generaliza com categorias ou com classes abstractas de acções ("Cruz Vermelha", "organizações não governamentais", "sociedade", "desenvolvimento", "fazer trabalho de campo"), mas que, fazendo-o, dá origem a fórmulas singulares; é um discurso que tem os pés bem assentes num pequeno mundo, local, mundo vivido, pessoal, que já tem conclusões à partida, que é profundamente normativo, que pouco se importa com as contradições; é um discurso cheio de chistes, de epigramas, de neologismos, de vocabulário relexicalizado, misto (palavras de línguas maternas entrelaçados com termos portugueses e ingleses do género pá, nice, ok, yes, brother), de insultos permanentes jogando com o sexo, a força, o incomum e o ridículo; é um discurso frequentemente acompanhado de arremedos de força física, de simulacros das cenas de carate dos filmes estrangeiros (termo ninja é corrente), de exibição de camisetas com fotos estampadas de cantores estrangeiros (Bob Marley, Michael Jackson, etc.) ou, até, de Jesus Cristo e, aqui e acolá, de botas com os fios desapertados como nos vídeos americanos de rap; é, finalmente, um discurso inovador que se populariza rapidamente: em Nampula, por exemplo, bolos de farinha de trigo sem fermento são chamados "cinco putos" devido a um filme de carate de origem chinesa cujos actores principais eram cinco jovens; ou, como em Maputo, diz-se "chinelos pipocas" quando os chinelos, comprados nos dumbas, são de má qualidade e se gastam depressa.
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5 comentários:
Parabéns pelo blog.
Será que caiu na armadilha dos estereótipos, quando uma boa parte dos combates tem travado é contra certo tipo de cristalizações? Frequento as barracas. Encontro um mundo plural que não se acorrenta na imagem que traça. Há de tudo um pouco, consoante os espaços e os interesses de cada um. Também podem ser um ensinamento importante de como se desenvolvem determinadas estratégias de sobrevivência. Entre uma cerveja, dobrada, uns amendoins (e outras coisas mais), chama-se por uma conversa despretensiosa, sem de ser incisiva. Outros mundos do mesmo mundo.
Abraço
(*) sem deixar de ser incisiva, queria dizer.
André: bem vindo. Olha, o que eu tentei fazer vou "pintar" o chiste dos jovens. E esse chiste não o podes abolir, de forma alguma. Ele é real, aqui bem menos "pintado" do que eu desejava. Naturalmente que vivemos a despretensão em redor de uma cerveja. Partilho completamente na tua visão plural, plural que eu justamente tento capturar. Kanimambo, regressa sempre, ficarei feliz.
Partilho completamente da tua...quis dizer.E sobre estereótipos muito haveria a dizer.
Bem sei. Lembro-me do «alotropismo» e da «vida intensa» com saudades. Cumpro o papel (agora sim, pretensioso) de vigilante não mandatado. Abraço.
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