21 abril 2006

As duas linhas da pintura moçambicana

Tenho para mim que existem duas linhas de força fundamentais na pintura moçambicana: a linha de Malangatana e a linha de Gemusse.
No primeiro caso eu penetro nas tradições fortes tal como o pintor entende que elas são: a figura sem anatomia precisa, o traço cheio, a máscara, o esgar, o medo, o terror do passado, a cor quente, grudante, como se o sonho fosse um pesadelo.
No segundo caso, eu penetro nas tradições estilizadas, modernizadas, no traço aprendido na academia, nas cores leves, na frescura de um sonho por acontecer, mas que, acontecendo, será leve.
Com Malangana eu tradicionalizo-me, vou para trás; com Gemusse, modernizo-me, vou para a frente. O primeiro tradicionaliza a modernidade, o segundo moderniza a tradição.
Com Malangatana estou numa caverna; com Gemusse, numa montanha.

5 comentários:

jpt disse...

Serra, deixe-me, a propósito deste post, dar-lhe as boas-vindas ao bloguismo. Vou blogando há dois anos e tal, sempre com o lema de que no bloguismo cada um como cada qual. Mas ainda assim, NESTE post dou-lhe as boas-vindas ao bloguismo. E muito o saúdo assim.

(o bloguismo é uma não-aparente democratização da palavra pública. Um dos obstáculos a essa democratização in-blog, um dos últimos obstáculos internos (externos haverá, um dos quais é o acesso à internet e outras condicionantes), é a academização da palavra. Algo que ainda há no blogomoçambicano. O extremo cuidado, o altaneiro retórico, o fundamentado extremo.

Que v. dê este pontapé na "distinção" é magnífico.
Abraço

Anónimo disse...

Afirmar que a pintura moçambicana se resume apenas a duas linhas estéticas é demasiadamente limitativo e peca por grandes e profudas omissões no mínimo.Quanto ao conteúdo da frase, direi que Malangatana é figura incontornável e um dos grandes pintores de África, Gemusse ainda vai seguindo o seu percurso. Depois há um vasto grupo de artistas plásticos de enorme gabarito, com qualidade e orientações estéticas diversificadas, demonstrativo da grande riqueza e criatividade dos moçambicanos. Por outro lado existem as obras de artistas moçambicanos que nos deixaram, cujo legado não deixa de questionar a afirmação de partida.

Carlos Serra disse...

Obrigado a ambos por visitarem esta modesta oficina.É uma honra para mim. Ao primeiro, que julgo ser o JT, estou inteiramente de acordo com o altaneirismo retórico, com o fundamento extremo, etc. Simplesmente a imputação das essências deixa de lado uma coisa quanto a mim fundamental, a saber: os diferentes graus de altaneirismo, as fundamentações extremas, a cargo de todos nós. Cada é cada qual no seu altaneirismo.
Quanto a FM, apenas me resta dizer que eu não pus em causa quer a incontornável figura de Malangatana quer a juventude de Gemusse. Apenas quis salientar, no mar de bifurcações da pintura moçambicana, a interface de duas linhas fundamentais, de duas escolas, de duas formas de extrair os corações e as possibilidades da realidade, coisa que apenas pode ter o rosto saudável das hipóteses.

Carlos Serra disse...

Ainda para FM: eu não emiti um juízo de valor sobre a pintura de Malangatana e de Gemusse, não disse que um pintava melhor do que outro. Apenas usei imagens para traduzir o que sinto. Bem sei que as imagens podem ser pecaminosas, mas o coração tem razões que a razão não conhece.

jpt disse...

Sim, o jpt é o jt. tal como digo cada um como cada qual (ou seja cada um tem o direito de escrever como e o que quer) também em muito concordo que cada um com o seu estilo. não é imputação pecaminosa a minha perspectiva. apenas acho salutar um tom ligeiro, mais desprendido (o que não é pensar ligeiro). No fundo o que aqui v. diz "Apenas usei imagens para traduzir o que sinto.". Porquê? Porque não inibe o uso da palavra escrita pública (em blog, em email ou em comentário), não inibe o pensar público, a quem não se sente tão à vontade na retórica "científica". que fique explícito, não reduzo a utilização desta a uma estratégia consciente "interesseira" de afirmação estatutária. e não a considero errada - acho é muito salutar conseguirmos falar e escrever de várias formas, e provocar a palavra escrita, falada ou pensada de várias formas
bom fim-de-semana