Tenho para mim que existem duas linhas de força fundamentais na pintura moçambicana: a linha de Malangatana e a linha de Gemusse.
No primeiro caso eu penetro nas tradições fortes tal como o pintor entende que elas são: a figura sem anatomia precisa, o traço cheio, a máscara, o esgar, o medo, o terror do passado, a cor quente, grudante, como se o sonho fosse um pesadelo.
No segundo caso, eu penetro nas tradições estilizadas, modernizadas, no traço aprendido na academia, nas cores leves, na frescura de um sonho por acontecer, mas que, acontecendo, será leve.
Com Malangana eu tradicionalizo-me, vou para trás; com Gemusse, modernizo-me, vou para a frente. O primeiro tradicionaliza a modernidade, o segundo moderniza a tradição.
Com Malangatana estou numa caverna; com Gemusse, numa montanha.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
3 comentários:
Afirmar que a pintura moçambicana se resume apenas a duas linhas estéticas é demasiadamente limitativo e peca por grandes e profudas omissões no mínimo.Quanto ao conteúdo da frase, direi que Malangatana é figura incontornável e um dos grandes pintores de África, Gemusse ainda vai seguindo o seu percurso. Depois há um vasto grupo de artistas plásticos de enorme gabarito, com qualidade e orientações estéticas diversificadas, demonstrativo da grande riqueza e criatividade dos moçambicanos. Por outro lado existem as obras de artistas moçambicanos que nos deixaram, cujo legado não deixa de questionar a afirmação de partida.
Obrigado a ambos por visitarem esta modesta oficina.É uma honra para mim. Ao primeiro, que julgo ser o JT, estou inteiramente de acordo com o altaneirismo retórico, com o fundamento extremo, etc. Simplesmente a imputação das essências deixa de lado uma coisa quanto a mim fundamental, a saber: os diferentes graus de altaneirismo, as fundamentações extremas, a cargo de todos nós. Cada é cada qual no seu altaneirismo.
Quanto a FM, apenas me resta dizer que eu não pus em causa quer a incontornável figura de Malangatana quer a juventude de Gemusse. Apenas quis salientar, no mar de bifurcações da pintura moçambicana, a interface de duas linhas fundamentais, de duas escolas, de duas formas de extrair os corações e as possibilidades da realidade, coisa que apenas pode ter o rosto saudável das hipóteses.
Ainda para FM: eu não emiti um juízo de valor sobre a pintura de Malangatana e de Gemusse, não disse que um pintava melhor do que outro. Apenas usei imagens para traduzir o que sinto. Bem sei que as imagens podem ser pecaminosas, mas o coração tem razões que a razão não conhece.
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