18 abril 2006

Cólera e catarse (Um modelo de análise)



(Em 2002, em meio a uma grave epidemia de cólera, fui convidado por uma ONG a responder à seguinte pergunta: por que razão milhares de pessoas na província de Nampula acreditavam que o governo as estava a matar introduzindo deliberadamente cloro na água? O que se segue é o conjunto dos mecanismos teóricos e metodológicos destinados a encontrar resposta à pergunta.)



Problema e objectivos da pesquisa

A crença, existente desde 1998, de que o governo está a introduzir a cólera através do cloro com o objectivo de matar o povo de Nampula, tem provocado insegurança social, levantes e confrontos com a polícia, especialmente nas zonas costeiras.

Entre Dezembro de 2001 e Janeiro de 2002, por exemplo, funcionários governamentais e do partido no poder, chefes tradicionais e funcionários de ONGs, especialmente da SNV (ONG alemã), foram alvo de ira popular. O saldo foi sombrio: casas queimadas, pessoas seviciadas e agredidas, pelo menos um morto pela polícia, dezenas de detenções e de processos judiciais.

A situação levou a SNV não só a retirar alguns dos seus funcionários das áreas afectadas como a contratar o Centro de Estudos Africanos para estudar e interpretar o fenómeno. Trabalhámos em áreas de influência do Programa MAMM (ainda que em Memba opere, também, o programa GEREN) da SNV[1], onde existem Comissões de Desenvolvimento Local (CDLs). O grande objectivo das CDLs consiste em ajudar as populações a resolver os problemas que enfrentam. A SNV joga, aí, portanto, o papel de assessora.

Com este trabalho de investigação, a SNV tinha três objectivos:

1. Conhecer e compreender com profundidade a sociedade e a história locais;
2. Encontrar opções e perspectivas para identificar fenómenos de violência e conflito nos programas da organização nas zonas costeiras da província;
3. Enquadrar as lições colhidas na formulação de uma política mundial da SNV.

O que se segue é produto de uma investigação de três meses efectuada primeiro nos arquivos (Junho/Julho) e, depois, durante o mês de Agosto, nos distritos de Memba (sede e aldeia 7 de Abril), Angoche (sede e bairros Ngúri e Tamole; posto administrativo de Aúbe e bairros de Mirrepe e Mupalacue) e, em Moma, no posto administrativo de Larde (sede e aldeias de Nathere, Maganha e Namichiri)[2].


2. Modelo de análise

O modelo de pesquisa foi especificamente produzido para permitir a inteligibilidade plural de um fenómeno cuja investigação era e continua a ser difícil.


2.1. Perguntas de partida

Foram criadas três perguntas de partida, a saber:

1. Quais as raízes sociais do fenómeno?
2. É ele um testemunho de recusa da modernidade?
3. Existem condições para que se repita?

2.2. Hipótese

A hipótese de pesquisa foi organizada da seguinte maneira:

A crença de que a cólera é introduzida pelo governo em Nampula através do cloro (fenómeno) é um indicador de insegurança popular (nível 1) ampliada pela tensão política (nível 2) .


2.3. Problemática

Foram considerados dois momentos no figurino teórico adoptado para estudar o fenómeno: o da ruptura com concepções vigentes e o da construção do edifício da análise através de quatro componentes.


2.3.1. Ruptura

Um facto científico é conquistado, construído, verificado[3] contra as ilusões de transparência[4] e contra as teses a-todo-o-terreno que passam por definitivas. Tornou-se assim fundamental proceder a uma dragagem das falsas evidências e das opiniões parciais.


2.3.1.1. Com a versão oficial

A versão oficial é a de que a Renamo é a autora das “campanhas de desinformação” que levam à crença de que a cólera está a ser intencionalmente introduzida pelo Governo mediante o cloro.[5] Esta tese tem dois problemas fundamentais:

1. Nunca apresenta evidência empírica
2. Recorre ao efeito retroactivo

Na verdade, no início da pesquisa não existiam provas de que a Renamo fosse a autora das “campanhas”, ainda que esse partido tenha produzido nos últimos anos diversos tipos de boato[6] e dado origem a diversos tipos de tensão política[7].

Por outro lado, o passado guerrilheiro e destruidor do partido ganha um princípio explicativo recorrente: se ontem a Renamo fez as coisas de uma certa maneira, hoje não pode fazer de forma diferente[8]. Por outras palavras, a Renamo aparece aos olhos do partido no poder como uma natureza desestabilizadora imutável[9].

2.3.1.2. Com as teses culturalista, partidária e miserabilista

Na morfologia do mito, existem comprovadamente atributos culturais. Assim, por exemplo, há, aqui e acolá, evidência de preocupação popular com a impossibilidade de submeter os corpos das vítimas da cólera a rituais tradicionais[10].

Não pode mesmo excluir-se a possibilidade de familiares das vítimas terem enterrado secretamente os corpos subtraindo o seu controlo às autoridades sanitárias[11].

Na província de Nampula existe uma forte preocupação com a protecção mágica do corpo para evitar a acção dos maus espíritos (os madjini[12]), seja em vida, seja após a morte. A água joga aqui um papel vector. Essa a razão por que ao longo da vida as pessoas são sujeitas (quando crianças) ou sujeitam-se (quando adultas) a vários tipos de “banhos” fortificantes e protectores nos quais entram ingredientes diversos, como ervas, por exemplo, preparados pelos moculucana (curandeiros)[13].

Mas o húmus cultural que enraíza e orienta os comportamentos sociais não pode ser usado como causa para a crença popular de que a cólera foi deliberadamente introduzida via cloro. Por outras palavras, não existem regras especificamente macuas[14] de imputação causal, não há uma organização cognitiva expressamente macua[15].

Portanto, o mito aqui em estudo nada tem a ver com aquilo que o deputado da Renamo, Mafuta Banda, chamou “contexto cultural”[16]. Na verdade, os boatos concernentes à cólera e à acção governamental também são ciclicamente encontrados nas grandes epidemias de cólera indianas, por exemplo[17]. Por outro lado, não se podem excluir os efeitos da tensão política e da luta partidária desde 1994. Esses efeitos poderão potencialmente ampliar as expectativas, aumentar a incerteza e tornar mais extremos os comportamentos.

Mas a tese partidária não pode ser utilizada para explicar a inferência aqui em estudo. Na realidade, quando começámos a pesquisa não havia evidência de que agitação tivesse sido e continuasse a ser obra da Renamo enquanto partido, ainda que porta-vozes do partido tivessem admitido a participação de militantes seus nas chamadas “campanhas de desinformação”[18].

E mesmo que essa tese pudesse ser comprovada, faltaria, ainda, interrogar-nos sobre as razões que levariam as pessoas a endossá-la. Não ter em conta essas razões significa que as pessoas são transformadas em papel mata-borrão, em absorvedores acéfalos das ideias dos políticos e em peões de um comportamento mimético[19].

Também não é suficiente argumentar que as nossas áreas de pesquisa são de influência da Renamo[20].
Finalmente, recusámos igualmente o que intitulamos tese miserabilista-obscurantista. Na verdade, é tentador procurarmos nos indicadores de pobreza de Nampula os pilares do mito. A província possui:

· A terceira mais elevada taxa de analfabetismo do país (70%), sendo a das mulheres a segunda mais elevada (85%);
· A segunda mais elevada taxa do país de insatisfação com os serviços de Saúde (62.4%) ;
· A segunda mais elevada taxa do país de pessoas que consideram que de 2000 para 2001 a sua situação económica piorou (28%, enquanto 34.3% afirmaram que se manteve na mesma e 13.7% que está muito pior);
· A segunda mais elevada taxa do país de pessoas que levam mais de 60 minutos a chegar à unidade sanitária mais próxima (70%)[21].

Esses e outros indicadores são, efectivamente, retaguarda importante do mito, são parte do conjunto de infra-estruturas sociais desse mito. Mas não podem, em si, dar origem a uma leitura miserabilista com saída cómoda para o obscurantismo. O pensamento seria, então, o seguinte: porque as pessoas são pobres, as suas regras de inferência são tributárias de uma espécie de mentalidade pré-lógica que gera uma interpretação errada do real.

Ora, o nosso pressuposto foi o de que se a crença é objectivamente falsa ela faz, porém, sentido para os actores que a adoptaram e a adoptam, ela é sentida como subjectivamente verdadeira. A crença nada tem de irracional, sejam quais forem os processos de inferência causal e o peso do pensamento simbólico do tipo analógico[22].


2.3.2. Construção

Vamos, agora, construir um quadro teórico de referência com o qual ao mesmo tempo que procedemos à ruptura com as falsas evidências e as posições parciais, tentamos produzir a lógica que supomos constituir a infra-estrutura social do mito[23].

Fazendo-o, partimos do pressuposto de que a sociologia estuda as lógicas internas da sociedade, o que significa que importa encontrar aquilo que não é directamente visível[24] ou que está mineralizado ou submerso pela voz corrente, muitas vezes preguiçosa.

2.3.2. 1. Conceito de crise

No seu sentido médico original, a crise é uma perturbação[25] que permite um diagnóstico. Transposto para o mundo social, o conceito tem dois níveis:

1. Revelador significante de realidades latentes ou subterrâneas;
2. Revelador significante de conflito.

Uma crise não só revela quanto desencadeia uma problematização. Esta problematização, por efeito e contra-efeito (inquietação ou angústia), põe em marcha um processo, frequentemente mitológico, de racionalização, digamos que de domesticação do desconhecido, destinado a colmatar a brecha e a inquietação sociais surgidas com a subversão do habitual. Nesse processo sinuoso, com uma fase terminal paroxística, a busca de culpados, de bodes expiatórios joga um papel fundamental e dramático[26].

Ora, a crença objectivamente falsa, mas subjectivamente sentida como verdadeira, de que o Governo produz intencionalmente a cólera através do cloro, actua sob os seguintes registos (ampliando, agora, o quadro dos dois níveis atrás apresentado):

1. Como um fusível que revela digamos que um sobre-aquecimento social intolerável que importa investigar e do qual ou no qual mortes em excesso agem como aceleradores ou enzimas;
2. Como sentido social múltiplo enquanto estrutura mitológica, no seu mostrado-oculto[27];
3. Como desnudador de uma tensão social cuja superfície se traduz por um conflito de interpretações[28] (o Governo a querer erradicar a cólera com o cloro, as populações convencidas de que o cloro se destina a introduzir a cólera e a matá-las);


2.3.2.2 Eclipse do social e busca de bodes expiatórios

Todo o processo da crise visa como que eliminar a poluição social existente e permitir o regresso a uma espécie de estado anterior, considerado, agora, por reavaliação, como bom. O processo social é visto como insuportável, como absolutamente indiferenciador, como nivelador de tudo e de todos. A ordem social colapsa, é posta em questão. Ocorre, então, o eclipse do social. Oito registos mapeam a crise:

1. É real, com contornos bem visíveis, com explosões sociais musculadas;
2. É transcultural, quer dizer que não pertence a um quadro cognitivo específico a esta ou àquela cultura;
3. É trans-histórica, quer dizer que a sua ocorrência transcende épocas históricas determinadas;
4. Os procedimentos de inferência não assentam em causas naturais, mas em causas sociais[29]. O princípio não é “o que provoca isto?”, mas “quem me (nos) faz mal e por quê?”[30]. As causas significativas expulsam as causas naturais[31];
5. A crise segrega a busca quase natural de bodes expiatórios[32];
6. Os bodes expiatórios são seleccionados em função de tudo o que sugere afinidade culpável com a crise[33]; eles surgem como seres estrangeiros, passantes ocasionais, são, enfim, acunha[34]; os alvos podem não ser seleccionadas nas famílias vitimárias tradicionais (um parente, uma mulher idosa considerados feiticeiros pelos curandeiros, os moculucana), mas entre as figuras ao serviço da modernidade (administradores ou chefes de postos administrativos, enfermeiros, muenes, piamuenes, parteiras, extensionistas de ONGs, etc.);
7. Os bodes expiatórios podem sofrer uma conversão cultural. Assim, eles podem surgir como figuras modernas dos madjini tradicionais. Este é um processo simultaneamente velho (recurso à imputação causal da tradição) e novo (o panteão da madjinidade actualizado, modernizado);
8. A busca de bodes expiatórios gera violência colectiva redentora como se destinada a evacuar a poluição social[35];

É a marcha do que chamamos efeito Machault, um efeito universal que nada tem, uma vez mais, de especificamente nampulense ou macua.


2.3.2.3. Efeito Machault

O poeta francês Guilherme de Machault escreveu em meados do século XIV um poema pouco conhecido mas que tem um grande valor sociológico. Ele reportou que as comunidades francesas estavam agitadas quer por caírem “pedras” (granizo) do céu, quer, especialmente, por morrerem muitas pessoas com o que hoje chamamos peste negra.

Agitadas, interrogadoras, perplexas, as comunidades entraram rapidamente em convulsão e a resposta às causas do mal-estar foi encontrada nos judeus e nos seus “amigos” cristãos. Estes foram considerados responsáveis pelas mortes porque envenenavam as fontes de água. Seguiram-se a violência e a chacina.

Tivemos como pressuposto que o articulado de fenómenos ocorridos nas zonas costeiras de Nampula não é, na sua lógica, no que possui de convulsão, de regras de inferência e de vitimização, muito diferente do que se passou nas comunidades francesas. Vivendo uma crise, os actores locais são prisioneiros de um duplo constrangimento.



2.3.2.4. Duplo constrangimento

Num texto de Edgar Poe, dois pescadores viram-se confrontados com um turbilhão. Um, o mais velho, entrou em pânico e acabou por ser sorvido e morrer. O outro, porém, foi capaz de estudar o fenómeno e de encontrar uma solução para sobreviver, auto-controlando-se e, assim, controlando a situação[36]. Esta história dos pescadores reenvia para a interdependência funcional entre equilíbrio afectivo e o processo sob o qual esse equilíbrio tem lugar.

Uma forte exposição aos perigos inerentes a um processo aumenta o carácter emocional das reacções humanas. Ao mesmo tempo, uma forte emotividade na reacção diminui as possibilidades de uma apreciação realista dos perigos[37]. Esse é o coração do double bind, do duplo constrangimento. Esse é, também, no nosso corpo teórico, o coração dos acontecimentos em Nampula.


3. Quadro metodológico

O corpo teórico da pesquisa foi operacionalizado num quadro metodológico especialmente seleccionado para surtir efeitos em zonas nas quais, certamente, iríamos enfrentar muitas dificuldades de recepção e compreensão dos objectivos do nosso trabalho.


3.1. Técnicas

A pesquisa foi construída com as seguintes técnicas e objectivos:

TÉCNICAS
OBJECTIVOS
1. Trabalho de arquivo (“Notícias” de 1973/1974, 1994/1995 e 1997[38]; internet[39]; (literatura colonial impressa e cinzenta, incluindo a confidencial e secreta, no Arquivo Histórico de Moçambique)

(1) Verificar se houve antes de 1998 fenómenos de crença do mesmo tipo daquele que constitui a razão de ser da pesquisa; (2) inventariar fenómenos propícios a criar ou a facilitar a crença em estudo
2. Entrevistas individuais estruturadas (sedes de distritos ou de postos administrativos) (Conhecer as opiniões de agentes produtores de opinião ao nível da “modernidade” e da “tradição” [40] em relação aos objectivos da pesquisa. Registos de depoimentos de enfermeiros, professores (de preferência de biologia) do EP2, matronas, régulos, piamuenes e influentes locais[41])
3. Entrevistas em foco a efectuar em bairros e aldeias[42] (Idem no tocante às pessoas mais humildes, especialmente mulheres)
4. Questionário (a administrar nas sedes distritais ou de localidade e na cidade de Nampula a turmas de estudantes do EP2) (Avaliar o tipo de inferência causal e o potencial de crença em fenómenos extra-humanos de estudantes no limiar do ensino secundário)
5. Diário de campo (Registo percepcional pelos investigadores de tudo aquilo que permeasse a pesquisa)


[1] Os Programas MAMM (Moma, Angoche, Mongicual e Mogovolas) e GEREN (Gestão de Recursos Naturais) da SNV actuam, respectivamente, na zona costeira e norte da província de Nampula. Apesar de terem abordagens e enfoques diferentes, ambos pretendem fortalecer os processos de boa governação local através da intensificação ou da criação de diálogo e de interacção entre os cidadãos, o governo local e o sector privado. No Programa MAMM os núcleos aglutinadores são a água, a educação e a saúde. No Programa GEREN, o núcleo é a gestão dos recursos naturais, particularmente dos recursos florestais e marítimos (Extraído de um documento da SNV).
[2] Helena Monteiro e Fátima Colete realizaram o trabalho de campo; Rogério Batine e Carlos Chefo encarregaram-se da pesquisa de arquivo; Paula Libombo procedeu ao tratamento estatístico do questionário administrado aos estudantes do EP2.
[3] Bachelard, Gaston, citado em Bourdieu, Pierre, Chamboredon, Jean-Claude et Passeron, Jean-Claude, Le métier du sociologue. Paris: École des Hautes Études en Sciences Sociales et Mouton Éditeur, 1984, 4ème éd., p. 24.
[4] Ibid., p.29.
[5] Notícias de 24/10/2001, p.6;__, 12/01/2002, p.4;__, 28/01/2002, p.1;__, 16/02/2002, p.1;__, 22/02/2002, p.1; 13/03/2002, p.4;__, 1/04/2002, p.1; Mozambique on-line, http:/www.mol.con.mz/noticias/011226.html, 26/12/2002;__, Mozambiquefile (307), February 2002, p.23;__, (308), March 2002, pp. 15-16.
[6] Neste trabalho mito e boato são empregues como sinónimos de representação simplista, falsa mas largamente partilhadas de um fenómeno. Todavia, em nenhum dos casos é por nós assumido estarmos perante manifestações de irracionalismo.
[7] Veja Serra, Carlos (dir.), Eleitorado incapturável. Maputo: Livraria Universitária, 1999, pp.129, 133; Notícias de 22/12/97, p.3. Mas também não havia evidências de que a Renamo se tivesse esforçado para evitar o conflito nas áreas nas quais trabalhámos.
[8] Este tipo de argumento aparece frequentemente na imprensa escrita e nos debates da Assembleia da República. Veja, entretanto, Serra, Carlos, Excelência, diabolização e auto-paternidade nas relações políticas, in Serra, Carlos (dir.), Estigmatizar e desqualificar, Casos, análises, encontros. Maputo: Livraria Universitária, 1998, pp. 196-197.
[9] Mas a Renamo procede da mesma forma em relação à Frelimo: esta é sempre vista como um partido marxista-leninista.
[10] Notícias de 21/11/1997, p.1.
[11] Ibid., de 22/02/2002, op.cit.
[12] Esta acção é suposta poder ser accionada pelos antepassados caso estes se sintam privados de desvelo.
[13] Helena Monteiro, Diário de campo de Memba, Larde e Angoche, 06/08/2002 a 26/08/2002; Fátima Colete, idem.
[14] Estamos a grafar em português.
[15] A propósito das regras de inferência, veja Boudon, Raymond, L’art de se persuader des idées douteuses, fragiles ou fausses. Paris: Fayard, 1990, passim;__, Le juste et le vrai, Études sur l’objectivité des valeurs et de la connaissance. Paris: Fayard, 1995, passim. Para uma concepção essencialista da cultura macua, veja Geffray, Christian, Ni père ni mere, Critique de la parenté: le cas makhuwa. Paris: Seuil, 1990.
[16] “As pessoas agiram num contexto cultural...”, in domingo de 14/07/2002, p.4.
[17] Misra, Kavita, Productivity of Crises/Disease, Scientific Knowledge and State in Africa, in Economic and Political Weekly (Mumbai), October 28, 2000, pp. 3892-3893. Agradecemos a Shubi Ishemo a cedência deste material.
[18] Domingo..., op.cit.
[19] A tese do mimetismo encontra-se, por exemplo, em Girard, René, Le bouc émissaire. Éditions Grasset & Fsquelle, 1982, passim. Mas a obra é, a um outro nível, rica, como teremos ocasião de ver mais à frente.
[20] Mazula, Brazão, Moçambique/Dados Estatísticos do processo eleitoral. Maputo: STAE, 1998; STAE, Eleições Gerais – 1999. Maputo: STAE, 2001.
[21] Instituto Nacional de Estatística, Questionário de indicadores básicos de bem-estar, Relatório final. Maputo: 2002, passim; Cruzeiro do Sul, Instituto de Investigação para o Desenvolvimento, Levantamento sócio-económico dos distritos de Moma, Angoche, Mongincual e Mogovolas ano 2000, passim.
[22] Sobre este tipo de pensamento, veja a secção dedicada à análise das respostas a um questionário administrado a estudantes do EP2.
[23] Veja Quivy, Raymond e Campenhoudt, Luc Van, Manual de investigação em ciências sociais. Lisboa: Gradiva, 1998, 2.ª ed., pp. 26-28.
[24] Houtart, François, Sociologia da religião. São Paulo: Editora Ática, 1994, p.23.
[25] Este conceito racionalizador é, porém, frequentemente dúbio e supõe a existência de um estádio ou de estádios anteriores sem “problemas”, o que é sempre bem difícil de provar.
[26] Estivemos a citar e a adaptar Morin, Edgar, La rumeur d’Orléans. Paris:Essais/Seuil, 1969, pp. 249-250.
[27] Veja Ricoeur, Paul, O conflito das interpretações, Ensaios de hermenêutica. Rio de Janeiro: IMAGO Editora, 1978, pp.14-15.
[28] Passim.
[29] Girard, René, Le bouc..., op.cit., pp.37-38.
[30] Para este tipo de regras de inferência, veja Elias, Norbert, Engagement et distanciation. Paris: Fayard, 1983, p.94.
[31] Girard, René, Le bouc..., op.cit., pp. 144-145.
[32] Idem.
[33] Idem.
[34] O termo acunha reenvia para autoridade, “poder”, função, etc., independentemente da raça.
[35] Girard, René, Le bouc…, op.cit., pp.144-145
[36] Elias, Norbert, Engagement..., op.cit., pp. 77-78.
[37] Ibid., p. 79.
[38] A pesquisa no “Notícias” teve por objectivo verificar se a estrutura mitológica em estudo precedeu ou foi contemporânea de períodos caracterizados por fenómenos políticos “fortes” (transição em 1974, independência nacional em 1975, eleições presidenciais e legislativas de 1994).
[39] Referência: www.mol.co.mz/
[40] Estes termos, cheios de ambiguidade, têm apenas a função de simplificar rapidamente a classificação dos actores.
[41] Foi nossa preocupação evitar entrevistar os actores quer governamentais quer directamente ligados ao aparelho político formal. Mas o trabalho de campo mostrou-nos que vários dos depoentes estavam e estão ligados a um e outro campo.
[42] O objecto da pesquisa exigia um grande investimento no contacto face-a-face. Daí o termos decidido empenhar muitas horas nas entrevistas, sejam individuais, sejam em foco, marginalizando, de alguma maneira, a metodologia baseada no questionário com amostragem probabilística.

1 comentário:

Anónimo disse...

Professor,
Se entendi bem o que é o essencialismo, qualquer forma de determinação, de naturalização, como o racismo, a homofobia, etc, poderiam ser considerados essencialismos.
Por outro lado, estou lendo no momento um texto de Christian Geffray sobre o Brasil (http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/geffray97.pdf) que me parece acertar em alguns diagnósticos que faz sobre uma certa sociabilidade brasileira.
Como caracterizou o pensamento de Geffray como essencialista, temo estar sendo “ludibriado” por uma análise que eventualmente pode conduzir a caminhos perigosos, se o meu entendimento a respeito do essencialismo está correto.
É isso mesmo?
Se for assim, então o que Geffray fez em Moçambique durante anos (quatro in loco, dez ao todo na pesquisa)? O que Geffray ofereceu a Moçambique com a sua pesquisa?
Apenas essencialismos (entendidos aqui por mim como determinismos)?
Há algum estudo crítico de Geffray que possa me indicar?
Devo relativizar a leitura que faço do texto que indiquei?
Quererá Geffray “justificar”, em última instância, o colonialismo para os europeus, retirar-lhes algum sentimento de “culpa” que porventura exista? É isso?
Como rápida apresentação, não sou cientista social, apenas um blogueiro residente no Brasil desde que saiu de Angola aos dez anos (em 1975), português de direito, brasileiro de fato, e que tem tentado lançar um olhar mais crítico sobre a política externa brasileira, especialmente em África, onde tenho a sensação de estar diante de um discurso diplomático algo demagógico, que apela para laços de fraternidade ou faz pedidos de desculpa pela escravidão passada, mas cujos resultados suspeito, são visíveis (e interessantes) apenas para uma minoria de empresários brasileiros (não sei como é a visão africana dessas relações, mas pelo pouco que já li a respeito, também suscita reservas)
Agradeço antecipadamente,
Gustavo Loureiro - Brasil