Para que a alma se possa pôr em sentido, é necessário que aceite ser a vassalagem prestada a uma coisa chamada autoridade. É necessário que ela sinta, através de múltiplos fios tornados inconscientes (sem que disso perca, porém, a consciência), que a autoridade de alguém e dos seus símbolos releva de uma substância acima do normal, uma substância indiscutível, sagrada, omnipresente. A alma tem de sentir-se agente, tem de estar em estado agêntico, para usar uma saborosa expressão de Stanley Milgram, tem de se considerar veículo de uma vontade externa, tem de aceitar o controlo efectuado por alguém, alguém a quem a alma atribui o direito de comandar, de se fazer obedecer incondicionalmente, o direito de instituir a desigualdade social.
E isso só é possível se a educação nos treinar para obedecermos, para aceitarmos naturalmente como universais (e, portanto, como nossos), os interesses particulares de quem comanda e a quem atribuímos poder, se aceitarmos a hegemonia de alguém em particular e de um grupo ou de uma classe em geral, especialmente se a educação nos treinar para aceitarmos a nobre mentira de Platão. Prosseguirei.
3 comentários:
Muito interessante as referências à «nobre mentira» de Platão ou à hegemonia de Gramsci! Mas a Autoridade não é diferente do Poder? Colonização da alma permite a continuidade do poder. Os corpos também são disciplinados e educados a obedecer. Qual o papel da força e da violência? E o reconhecimento da dialéctica de Hegel?
Bauman utiliza as experiências de Milgram para explicar o holocausto...
Muito obrigado pelas questões colocadas, tentarei absolutamente tê-las em conta no próximo número. Sim, tem razão no tocante ao uso das experiências de Milgram.
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