27 março 2008

Existe o zicoísmo? (9) (prossegue)

Vamos lá prosseguir esta série com o título em epígrafe.
O que temos é uma revolução no imaginário social do corpo, uma concepção diferente do corpo em meio urbano (com epicentro em Maputo), um corpo sexualizado e sexualizante que se furta crescentemente ao privado, ao resguardado e aos espaços severos da moral e do pudor da gerações mais velhas, mais antigas. Quando os autores de cartas de leitores do "Notícias" ou as mulheres da Organização da Mulher Moçambicana se queixam da subversão dos valores, do afundamento da moral, pedindo ao presidente da República que reponha a ordem no corpo, no vestuário e na moral das mulheres, eles e elas elas têm inegavelmente razão (claro que o protesto tem outras causas, mas disso não vou agora falar). Simplesmente o que aconteceu e acontece é que o corpo sexualizado deixou de ser uma colónia dos antigos valores e ganhou a independência, por mais que isso nos choque. Os jovens de hoje são um processo de emancipação, são o percurso de uma nova moral.
O tchuna-babysmo é a pedra de toque da independência, o enzima de uma reconstrução da sexualidade simbolicamente armazenada no corpo. Não foi nem é por acaso que, o ano passado, o ministro da Educação e o governador de Gaza se insurgiram contra o uso da tchuna-baby num instituto de formação de professores e decretaram um autêntico programa de combate à perigosidade do corpo feminino, ao seu consumo público:
"As calças que as alunas vestem mandaram fazer no alfaiate e não compraram na loja. Não é verdade que os nossos alfaiates deixaram de saber fazer calças e só optem por “tchuna-baby”. Podemos aceitar que comprada na loja seja “tchuna-baby”, o mesmo já não se pode dizer com relação às calças que são encomendadas aos alfaiates. Com isto, quero dizer que não se pode aceitar que futuras professoras andem mal apresentadas porque de nada valerá a formação (...) Não se pode aceitar que futuros professores andem como cabritos. Devem uniformizar o modo de caminhar, seja na rua, quando se vai ao refeitório até mesmo aos campos de produção (...) Devem ter ainda horário único de acordar, dormir, bem como a mesma forma e hora de comer. É importante dizer que os formandos devem aprender a cantar. Quando estiverem a realizar certas actividades devem estimular o canto.”
Se for correcta a hipótese de que estamos perante uma nova visão do corpo e da sexualidade que ele armazena, expõe e sugere, então estamos, também, perante a capacidade de recebermos positivamente mensagens de sexualidade densa e imediata, como aquelas que o zicoísmo transporta (e apesar da sua evidente masculinocracia). O consumismo generalizado, os padrões de independência e de liberdade, o cinema em geral, o cd/dvd, a novela brasileira, a net, a multiplicação de dancings, de parties, de discotecas, etc., tudo é um contexto propício ao zicoísmo. A hipótese: o zicoísmo não é apenas o ofertador de uma mensagem sexual surpreendente; é, igualmente, uma produção do imaginário social da juventude. Melhor: Zico não é somente ele, é também nós; se Zico nos produz, nós produzimo-o também, nós zicoamos a vida. Ora, o capitalismo, nas sua exterma complexidade - de que Zico é apenas um pequeníssimo peão -, é uma colonização permanente do sentidos, uma amputação permanente do cérebro, da capacidade de pensar.
Finalizo no próximo número.

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