30 maio 2010

Os desmaios femininos na Quisse Mavota (12)

Mais um pouco da série.
Esta postagem é, quase só, uma consequência da anterior.
Tenho para mim que os protocolos de conhecimento e procedimento não científicos devem ser respeitados. Não são, em si, formas erradas de pensar e actuar, de interrogar, de diagnosticar e de prescrever: são, apenas, formas diferentes, formas tão racionais quanto as que entendemos serem as nossas. Tenho ainda para mim não ser saudável imputar a um grupo restrito de pessoas uma espécie de responsabilidade conspiratória pela existência das crenças e, no caso vertente, da crença no poder volitivo dos espíritos. As crenças existem, queiramos ou não, fiquemos ou não aborrecidos, amemos ou não Descartes, acreditemos ou não nos espíritos, sejamos ou não cientistas. O pensamento simbólico analógico é uma realidade.
Porém, o debate deve incluir outros ângulos de reflexão, o problema deve ser tornado mais complexo, o que começarei a fazer a partir do próximo número, com o tema "A não confusão entre protocolos de conhecimento e procedimento pré-científicos e científicos".
(continua)
Se quiser ampliar a imagem (montagem de Sérgio Tique), clique sobre ela com o lado esquerdo do rato. Peço a vossa indulgência para um ou outro erro de ortografia no texto da minha responsabilidade ("Pergunda" em lugar de "Pergunta", "psicosomática" em lugar de "psicossomática").
Adenda às 8:54: o semanário "Domingo" dedica hoje à "Quisse Mavota" um longo editorial e as páginas 8 e 9. A coisa está verdadeiramente acalorada.

4 comentários:

ricardo disse...

Objectivamente, caro Professor, penso que os protocolos de conhecimento e procedimento não científicos nunca foram desrespeitados.

Primeiro, tem sido norma, diria mesmo fundamento tautologico, respeitar a tradicao local.

Normalmente isso sucede no acto de inauguracao de um empreendimento, um meio de transporte, um casamento, etc.

E isso, foi o que ja aconteceu na Quisse Mavota, como me referi, no acto de sua inauguracao por Guebuza. Estiveram la todas as autoridades tradicionais terrenas e espirituais da zona. No entanto, isso nao foi suficiente por conta da projeccao que se quiz dar agora a Mavota e Mabjaia.

Ainda com respeito a tradicoes locais, eu mesmo pude testemunhar na Matola, que o derrube de uma arvore pela EDM - irreversivel - foi instantaneamente interrompido quando se disse que a mesma havia sido PAHLADA pelo regulo Matsolo (Matola), que alias, ficou ainda mais famoso pela famosa cerimonia de apelo a CHUVA que quase submergiu Maputo e Matola.

Portanto, tudo isto sao manifestacoes do quotidiano com as quais convivemos e aceitamos tacitamente em nome do equilibrio e sanidades sociais.

O que nao se pode aceitar e que estas manifestacoes se transformem na regra geral.

Segundo, o que nos ensina Quisse Mavota, e:

I. Ja havia sido respeitado o preceito tradicional, entretanto invalidado pela Governadora da Cidade de Maputo que o reviu em baixa;

II. Identico fenomeno esta sendo repetido com igual intensidade nas escolas de Ndlavela e Magoanine, por motivos diferentes;

III. Abriu-se um precedente que coloca doravante a autoridade tradicional na mira da desconfianca do poder politico, que se sente a partir de agora ameacado pelo poder efectivo destas sobre a massa de votantes, tal como ja o haviam mostrado os religiosos. E deste modo, o Estado laico sera perturbado com maior regularidade por estes fenomenos irracionais;

IV. Num cenario de erosao do fundamento laico do Estado, entao, por Darwin, sobreviverao os melhores. Era so o que nos faltava neste pais passarmos a ter disputas religiosas ao nivel de um Iraque ou Paquistao ate se chegar ao vencedor da contenda;

V. Ainda que muitos nao saibamos, o estado Laico e o fiel mais justo da balanca de poder de paises mais progressistas. Mesmo que a religiao esteja amplamente presente nos circulos de poder, ela propria jamais desejara voltar a perfilar-se como gestora do Estado para sua propria sobrevivencia como dogma. Das vezes em que ela foi compelida a governar sociedades organizadas, ficou a ser recordada pela queda do imperio Romano, a destruicao da biblioteca de Alexandria, a Inquisicao, a Anti-Reforma e os Aytollahs. Seculos de escuridao e de conflito que fizeram regredir a humanidade.

VI. Finalmente, dada a vulnerabilidade e prosmicuidade do poder politico que incentiva este relacionamento, o combate a praticas corruptas presentes no quotidiano desvanecer-se-a no poder do oculto, umas vezes, ou no poder parental, outras vezes. colocando-nos num verdadeiro paradoxo de governacao que a oficializacao da figura do politico tradicional-parental-corrupto legitimara.

Uma caldeirada de chatices juridicas em perspectiva...

Disse

Carlos Serra disse...

A ocultação útil, politicamente útil, dos problemas sociais: um campo fértil de estudo, campo que aqui e acolá tenho procurado desenvolver. Obrigado pela contribuição aí e em outros campos..

Reflectindo disse...

Ricardo

Apontas pontos que muito me preocupam bastante neste assunto.

Abdul Karim disse...

Ponto VI do Ricardo parece-me muito valido, mas muito valido mesmo.

Agora a questao sera acompanhar o processo, observar ( metodo cientifico ) e avaliar os resultados em accoes isoladas ( escola mavota so ), resultados em geral ( outras instituicoes de ensino ) e implicacaoes no social presente e futuro do pais,

Depois concluir, e introduzir medidas correctivas, se necessario, talvez em 2015 ( pos eleicoes 2014 ).

'E interessante e notorio nesse processo todo ( generalizado, e considerando ponto VI do Ricardo ), a total ausencia duma estrategia de longo prazo, para manter o poder, pelo proprio partido no poder, que sem objectivos eticos, alinhados em funcao da realidade e dos discursos proferidos, limita-se a tentar controlar a situacao no presente mais imediato, o que aumenta o risco para a sua propria sobrevivencia como partido politico no poder.

Infelizmente, nada do que acontece 'e algo que anteriormente nao tenha sido previsto, e tudo que podera acontecer tambem esta dentro das previsoes, logo, quando decidirmos tomar as decisoes correctivas, estaremos aqui para ajudar, como sempre.