burilo docemente o fim da tarde canavial
e empresto à noite que chega quente
a altivez do tamarindo e o voo das rolas
agora vem comigo neste exacto momento
descobrir a alma das coisas mistas
aquelas coisas que são sempre feitas
do casamento denso dos instantes
e de seus múltiplos filhos desconhecidos
em cada gesto da nossa savana sem raça
Carlos Serra 07/10/2007
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
3 comentários:
Curiosamente, estou a ler Joaquim Teixeira de Pacoaes e Raul Brandão, dois poetas portugueses extraordinários.
Mais uma vez o professor a ler os meus pensamentos, os meus gostos, como se este Diário fosse criado só para mim! Vale a pena ler Pascoaes e Raul...É coisa de um sociólogo.
Mas deve me permitir duas palavras, antes de deixar à sala para os poetas, a primeira é que gostei do seu verso. Não sabia desse seu lado poético; a segunda, apelo ao MEC e o recém criado Ministério da Cultura para promover encontros sobre a poesia de modo a que os meus sobrinhos em Changara saibam, por via dos livros, o talento de Serra, Craverinha, Artur, Lemos, White, Baptista, Fijamo e muitos outros.
Zicomo
Aos que virão depois de nós (Bertold Brecht)
I
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de
estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não
recebeu a terrível notícia.
Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime.
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranquilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nado do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)
Dizem-me: come e bebe!
Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a
quem tem sede?
Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para
viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!
II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo
da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
III
Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos, pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de
sapatos, desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.
Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a
amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.
Com estes versos de Bertold Brecht, confirma-se as palavras de Joaquim Teixeira Pascoaes (poeta português)que o mundo, sem a poesia, não vale a ponta dum cigarro. É zero.
Zicomo
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