11 abril 2007

As palavras são masculinas








Faz anos que no nosso país as palavras são muito mais masculinas do que antes. Talvez desde 1975. Mas com um pico prolongado desde os anos 80/90. Antes sempre foram, claro. Mas agora são mais. Falo do género, das palavras das palavras, do verbo, das palavras que chegam à imprensa, das palavras dos discursos e das efemérides. E mesmo as mulheres com maior visibilidade usam palavras masculinas. Tudo é palavra-homem. Consciente e inconscientemente.
São os homens no uso do discurso oficial ou oficioso quem tem de falar nas mulheres? Dirão invariavelmente, de forma esmerada, algo como:
-As mulheres são fundamentais na vida do país.
São as mulheres no uso do discurso oficial ou oficioso quem tem de falar sobre si? Dirão invariavelmente, de forma esmerada, algo como:
-Nós, mulheres, precisamos de ter um papel mais relevante na vida do país.
Por um lado temos um discurso masculino que, "por natureza", masculiniza as palavras. E palavras são, entre outras coisas, reflexo de relações sociais concretas.
Por outro lado, temos um discurso feminino que interiorizou e interioriza até à medula a masculinidade, seja aceitando-a (então não fala, colada ao mundo penumbroso da subalternidade), seja impugnando-a (então fala, mas fá-lo atribuindo aos homens o dever de conferir paridade às mulheres).
Há todo um vasto campo de pesquisa por explorar, mesmo quando tudo parece ser já explorado. Por exemplo, tenho para mim e por hipótese, que algumas feministas são o anseio vigoroso da masculinidade.
Complexa tarefa de Janus esta: desmasculinizar e desfeminizar vida, acções e verbo. Em relação ao verbo: serão as mulheres capazes de o desmasculinizar e os homens de o desfeminizar? Inquietante problema que desce e vive na trama social.
O género é, quase sempre, o género de um equívoco.
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Vou abrir um inquérito hoje mesmo, aqui no diário, sobre esse tipo de problemas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Estimado Professor,
Ken Wilber, filósofo americano contemporâneo, faz uma clara distinção entre macho e fêmea (carga genética / hormonal) e masculino e feminino (tarefas e comportamentos que a sociedade convenciona serem predominantemente desempenhadas pelo homem ou pela mulher em determinada época). Mudam as épocas, ajustam-se as convenções. Por força da evolução social as mulheres passaram a ter acesso ao conhecimento e a ocupar funções que antes eram do homem: logo, são hoje mais masculinas à luz do convencionado há 30 ou 40 anos. Por outro lado, os homens de hoje são mais femininos que os de há três ou quatro décadas: fazem cada vez mais tarefas que antes eram apenas das mulheres, ajudam a cuidar dos filhos, nas tarefas da casa, preocupam-se mais cuidados estéticos, etc. A tendência, parece ser caminharmos para a diluição das diferenças da convenção masculino e feminino, prevalecendo as diferenças, enormes, complementares, bastantes, entre macho e fêmea. Claro que esta evolução da convenção masculino e feminino, mais visível nos países mais desenvolvidos, leva a problemas demográficos tremendos: as mulheres querem ter filhos cada vez mais tarde, porque se querem realizar profissionalmente, e poucos, apenas para satisfazer o instinto de ser mãe, inerente à natureza da fêmea. Por este andar, quem pagará amanhã as reformas dos adultos de hoje? É assunto para sociólogos Professor.
Com muita estima e admiração,
Florêncio

Carlos Serra disse...

A única coisa que me resta é, apenas, a de lhe dizer que o seu comentário me agradou sobremaneira e que obriga a pensar bem mais do que estava até agora a fazer.

La Strega disse...

Tenho sistematicamente dificuldade de responder aos seus inqueritos de uma pergunta, porque creio que perguntas complexas nao se esgotam numa pergunta e numa resposta.

A parte isso, e seguindo um pouco a linha do Florencio, o genero, as suas funcoes e convencoes sao maleaveis. E nao sao a unica forma de definicao de divisao social.

A questao do genero esconde as vezes mais que uma batalha pelos direitos das mulheres. Em muitos casos esconde um discurso de hegemonia e de homogeneizacao.

Quem sao as mulheres que usam os discursos masculinos? E marxizando a questao, a que classe social pertencem elas? E que consequencias tem a victimizacao e 'desagentizacao' das ditas vitimas?

Nao e que o feminismo esteja a masculinizar-se, mas e que esta frequentemente descontextualizado espacialmente e temporalmente. Como o geral das reflexoes sociais, esta desactualizado. O que nos esquecemos sempre e que as sociedades sao dinamicas e reactivas. E que precisam de constante reavaliacao e reelaboracao. Mas o que se faz sempre e achar que se descobriu a polvora e que se pode descansar, como Deus ao setimo dia.