Faz anos que no nosso país as palavras são muito mais masculinas do que antes. Talvez desde 1975. Mas com um pico prolongado desde os anos 80/90. Antes sempre foram, claro. Mas agora são mais. Falo do género, das palavras das palavras, do verbo, das palavras que chegam à imprensa, das palavras dos discursos e das efemérides. E mesmo as mulheres com maior visibilidade usam palavras masculinas. Tudo é palavra-homem. Consciente e inconscientemente.
São os homens no uso do discurso oficial ou oficioso quem tem de falar nas mulheres? Dirão invariavelmente, de forma esmerada, algo como:
-As mulheres são fundamentais na vida do país.
São as mulheres no uso do discurso oficial ou oficioso quem tem de falar sobre si? Dirão invariavelmente, de forma esmerada, algo como:
-Nós, mulheres, precisamos de ter um papel mais relevante na vida do país.
Por um lado temos um discurso masculino que, "por natureza", masculiniza as palavras. E palavras são, entre outras coisas, reflexo de relações sociais concretas.
Por outro lado, temos um discurso feminino que interiorizou e interioriza até à medula a masculinidade, seja aceitando-a (então não fala, colada ao mundo penumbroso da subalternidade), seja impugnando-a (então fala, mas fá-lo atribuindo aos homens o dever de conferir paridade às mulheres).
Há todo um vasto campo de pesquisa por explorar, mesmo quando tudo parece ser já explorado. Por exemplo, tenho para mim e por hipótese, que algumas feministas são o anseio vigoroso da masculinidade.
Complexa tarefa de Janus esta: desmasculinizar e desfeminizar vida, acções e verbo. Em relação ao verbo: serão as mulheres capazes de o desmasculinizar e os homens de o desfeminizar? Inquietante problema que desce e vive na trama social.
O género é, quase sempre, o género de um equívoco.
O género é, quase sempre, o género de um equívoco.
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Vou abrir um inquérito hoje mesmo, aqui no diário, sobre esse tipo de problemas.
3 comentários:
Estimado Professor,
Ken Wilber, filósofo americano contemporâneo, faz uma clara distinção entre macho e fêmea (carga genética / hormonal) e masculino e feminino (tarefas e comportamentos que a sociedade convenciona serem predominantemente desempenhadas pelo homem ou pela mulher em determinada época). Mudam as épocas, ajustam-se as convenções. Por força da evolução social as mulheres passaram a ter acesso ao conhecimento e a ocupar funções que antes eram do homem: logo, são hoje mais masculinas à luz do convencionado há 30 ou 40 anos. Por outro lado, os homens de hoje são mais femininos que os de há três ou quatro décadas: fazem cada vez mais tarefas que antes eram apenas das mulheres, ajudam a cuidar dos filhos, nas tarefas da casa, preocupam-se mais cuidados estéticos, etc. A tendência, parece ser caminharmos para a diluição das diferenças da convenção masculino e feminino, prevalecendo as diferenças, enormes, complementares, bastantes, entre macho e fêmea. Claro que esta evolução da convenção masculino e feminino, mais visível nos países mais desenvolvidos, leva a problemas demográficos tremendos: as mulheres querem ter filhos cada vez mais tarde, porque se querem realizar profissionalmente, e poucos, apenas para satisfazer o instinto de ser mãe, inerente à natureza da fêmea. Por este andar, quem pagará amanhã as reformas dos adultos de hoje? É assunto para sociólogos Professor.
Com muita estima e admiração,
Florêncio
A única coisa que me resta é, apenas, a de lhe dizer que o seu comentário me agradou sobremaneira e que obriga a pensar bem mais do que estava até agora a fazer.
Tenho sistematicamente dificuldade de responder aos seus inqueritos de uma pergunta, porque creio que perguntas complexas nao se esgotam numa pergunta e numa resposta.
A parte isso, e seguindo um pouco a linha do Florencio, o genero, as suas funcoes e convencoes sao maleaveis. E nao sao a unica forma de definicao de divisao social.
A questao do genero esconde as vezes mais que uma batalha pelos direitos das mulheres. Em muitos casos esconde um discurso de hegemonia e de homogeneizacao.
Quem sao as mulheres que usam os discursos masculinos? E marxizando a questao, a que classe social pertencem elas? E que consequencias tem a victimizacao e 'desagentizacao' das ditas vitimas?
Nao e que o feminismo esteja a masculinizar-se, mas e que esta frequentemente descontextualizado espacialmente e temporalmente. Como o geral das reflexoes sociais, esta desactualizado. O que nos esquecemos sempre e que as sociedades sao dinamicas e reactivas. E que precisam de constante reavaliacao e reelaboracao. Mas o que se faz sempre e achar que se descobriu a polvora e que se pode descansar, como Deus ao setimo dia.
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