05 maio 2006

Amílcar Cabral e a cultura africana


É sempre fundamental recordar um dos mais brilhantes intelectuais africanos de sempre, Amílcar Cabral, da Guiné-Bissau. Eis algumas passagens de uma alocução por ele feita em 1969 para quadros do então Partido Africano de Independência da Guiné e Cabo Verde:
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«Há muita gente que pensa que para a África resistir culturalmente, tem que fazer sempre aquelas mesmas coisas que já fazia há 500 ou há 1000 anos. Sim a África tem a sua cultura, de facto, essa é a nossa opinião concreta. Alguns aspectos dessa cultura são eternos, nunca acabam, podem transformar-se sempre pelo caminho, mas nunca hão-de acabar. Por exemplo, os nossos ritmos de dança, o nosso ritmo próprio de África. Mas ninguém pense que o tambor é só da África, que ninguém pense que certas maneiras de vestir são só da África, as saias de palha, as folhas de palmeira, etc., que ninguém pense que comer com a mão é só da África. Todos os povos no mundo, no Brasil, por exemplo, que estão piores do que nós nisso, como na Indonésia, na Polinésia, no Extremo asiático. [Muita gente para defender a cultura da África pensa [que], para resistir culturalmente em África, temos que defender as coisas negativas da nossa cultura. Não, a nossa opinião é que a cultura também é o produto do nível económico em que um povo está. A nossa opinião é que, comer com a mão, e até cantar certos tipos de cantigas, até maneiras de dançar, dependem da vida que o povo leva, do ponto de vista de produzir, produzir riquezas, produzir coisas para ele. (...) O nosso ponto de vista, portanto, é que, na nossa cultura devemos fazer resistência para conservar aquilo que de facto é útil e construtivo, mas na certeza de que, à medida que avançamos, a nossa roupa, a nossa maneira de cantar, tudo tem de mudar aos poucos, quanto mais a nossa cabeça, o nosso sentido nas relações com a natureza, e até as nossas relações uns com os outros. (...) Ninguém pense que porque essas coisas [crenças na magia, C.S.] existem em nós, porque somos africanos, somos mais do que os outros, porque conhecemos 'mézinhos' que outros não conhecem. (....) Isso é o reflexo de um estado de desenvolvimento económico, mais nada.» - Cabral, Amílcar, Análise de alguns tipos de resistência. Lisboa: Seara Nova, 1975, pp.74-75, 76, 79.

4 comentários:

Anónimo disse...

« sou engenheiro agronomo e orgulho-me da minha profissao » A. Cabral

Como agronomo Amilcar Cabral publicou as seguintes obras : Recenseamento agricola da Guiné (Bissau, 1956); O problema do estudo macro e microclimatico dos ambientes relacionados com os produtos armazenados; o estudo do microclima de um armazem em Malange (Angola), A propos du cycle Cultural Aeachide –Mils en Guinée portuguaise (Bissau, 1958).
Em fins de 1959, Amilcar deixa a equipa de pesquisa agronomica. Ario Lobo de Azevedo (professor catedratico) ao relembra-se desse dia disse:
“digo que a agronomia e eu ficamos mais pobres mas que o mundo ficou muito mais rico”
in Amilcar Cabral sou um simples africano...

Carlos Serra disse...

Muito obrigado pelo enriquecimento!

Unknown disse...

Gostei, mt pertinente essa questão de valorização da cultura no contexto actual.

Um detalhe, Cabral é tão guineense quanto cabo-verdiano. Há hj no meu país uma tentativa cruel de apagar da memoria colectiva a obra de Cabral. Daí o reparo.

Visite o meu blog, teremos mt a partilhar um com o outro.

saudações
TD

Wanasema disse...

Prezado Carlos,

muito prazer!

Quero parabenizá-lo pelo seu excelente blog!

Quando puder, faça uma visita ao meu, Riso - sonhos não envelhecem, http://ricardoriso.blogspot.com

Abraços,
Ricardo