07 outubro 2008

O "assassinato" do português em Moçambique (2) (continua)

Vamos lá prosseguir um pouco a série.
Deixem-me dizer-vos uma coisa: fui educado a dizer que "João vem à minha retaguarda" e não que "João vem à minha atrás". O meu lado camoneano naturalmente que fica perturbado com a subversão lexical.
Mas por que fica perturbado o meu lado camoneano, todo ele ancorado em muitos anos de português clássico? Fica perturbado porque aprendi que uma língua tem regras, que essas regras têm de ser obedecidas, cumpridas.
Porém, o meu lado camoneano foi sendo, saudavelmente, dialecticamente, reconstruído. Por outras palavras: o frigorífico que é uma língua formal, com a sua disciplina policial assegurada pelos puristas, deu lugar em mim àquilo que é o natural das línguas e dos falares: a mestiçagem, o rejuvenescimento, o enriquecimento, a permeabilidade ao novo.
Descabelar uma língua, senti-la em sua alma mutante, é, para mim, uma das coisas mais belas da vida.
Neste conflitar, vai o português desaparecer? Resposta de imediato: não. Aguardem a continuidade.

4 comentários:

Anónimo disse...

Professor, quero tambem notar que parte da deterioracao do portugues nao eh derivado das linguas locais, mas tambem da televisao. Veja que o portugues falado em Mocambique eh muito menos desviado daquele falado em Portugal, se comparado com o Brazil e Angola. Eu tenho muitos amigos brazileiros que parecem falar outra lingua e/ou dar outros significados a palavras em Portugues. Diga a um Brazuca para ficar na bicha de pao e nao fila, uau ... ou para ir para sua quinta e nao fazenda ... e o camba Angolano ... chegou uma altura em que acreditava que o Mocambicano era o unico que nao inventava palavras ...

Laude Guiry

Carlos Serra disse...

Bem, veremos a continuidade da série...Obrigado pela informação.

Anónimo disse...

Machamba (campo de cultivo), machimbombo (ónibus ou autocarro) ou maningue (bué ou demasiado) são também palavras portuguesas, ou não?????? Sabe o que, Professor? no mais "novo" dicionário da lingua portuguesa aparece lá a palavra "cú" e sabe o que significa? extremidade do ânus/recto!

Anónimo disse...

as línguas têm essa saudável mania de não ficar paradas. de, irrequietas, apanhar daqui e dali novas palavras e regras. na boca de um povo, ganham novos direitos e novas definições que o uso corrente legitima.
há coisa mais bonita do que ver crescer as línguas? nada perdem. pelo contrário, enriquecem-se e vivem também da cabeça e dos hábitos de quem as utiliza.
por mais acordos ortográficos que lhes queiram impor, a verdadeira imposição vem da vivência das pessoas e do que elas verbalizam.
não há, na verdade, melhor forma de conhecer um povo do que pelo estudo do seu uso da língua, que tão bem reflecte o seu dia-a-dia.