21 julho 2007

O conflito na produção de heróis em Moçambique (7) (continua)


Tenho então para mim que o livro de Norbert Elias mencionado no último número desta série constitui uma excelente ferramenta para analisarmos a produção conflitual de heróis em Moçambique.
Com efeito, estamos hoje confrontados com o fenómeno de termos a gestão do panteão oficial de heróis - a cargo da Frelimo, ganhadora da independência nacional, gestora do Estado -, disputada e posta em causa por uma outra candidata à produção de heróis, a Renamo, parceira de uma guerra civil dolorosa e reclamando ter sido a autora da democracia multipartidária que hoje temos no país.
A Frelimo entende que apenas ela está em condições de produzir os heróis nacionais pois chegou primeiro à Nação, pois foi a criadora da Nação, pois tem a legitimidade da história. A Frelimo entende que qualquer produção fora desse perímetro é uma traição nacional, um atentado à história, à verdade. Por isso impugna violentamente a ousadia da Renamo, a desqualifica, a situa no campo da irracionalidade.
Por sua vez, a Renamo, que disputa a gestão do Estado e se reclama da criação da democracia nacional, entende que tem também o direito de nacionalizar os seus heróis, de lhes dar um estatuto de legitimidade.
Temos aí, então, uma nova guerra, desta vez não com AKs47, mas com heróis, uma guerra pela sua produção e pelo seu controlo.
A atribuição do nome de André Matsangaíssa à rotunda 2314, situada no Bairro da Munhava, arredores da cidade da Beira - cidade municipalmente gerida pela Renamo -, é um exemplo claro de uma primeira brecha aberta no monopólio frelimiano de gestão de heróis, é um exemplo claro do prosseguimento da guerra agora pelo controlo da toponímia.
O problema para a Frelimo é que a atribuição do nome daquele que a Renamo considera ter sido o seu pai fundador à rotunda da Munhava foi feita dentro da lei, ao abrigo da Lei n.º 2/97 de 18 de Fevereiro da Assembleia da República e - coisa fundamental - do próprio processo de descentralização dirigido pela Frelimo. Desesperada, esta tentou este ano invalidar a primeira lei e cortar as pernas à Renamo produzindo a Lei n.º 15/2007 de 27 de Junho, também da Assembleia da República.
Mas já era tarde (veja a edição do "O País" de 20/07/07, pp. 2 e 5; leia aqui, a propósito desse atraso, a preocupação de Jeremias Langa).
O país estava e está definitivamente instalado numa dura luta bipartidária pelo controlo da produção de heróis.
A Winston Parva, a pequena cidade do livro de Norbert Elias é, afinal, o nosso Moçambique.
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Os extractos das duas leis aqui em imagem pertencem ao "O País", ed. citada.

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