11 maio 2006

O difícil problema de lidar com os maus espíritos nas ciências


Há quatro anos que apresento aos meus alunos de Metodologia de Investigação o recorte acima reproduzido, publicado no semanário “Savana” em 2002.
O jornalista, Henrique da Cruz, o chefe do posto administrativo de Pembe e o administrador de Homoíne não puseram em causa a existência dos maus espíritos que se acredita estarem a vedar o acesso à lagoa, uma lagoa aparentemente rica em peixe.
O chefe do posto de Pembe afirmou ter tentado resolver o problema com familiares dos maus espíritos, mas debalde dado serem elevados os custos financeiros dos rituais.
O administrador, por sua vez, disse que as soluções tradicionais não tinham ainda surtido efeito.
Aceitemos que a história é real, que os testemunhos são verdadeiros.
Ora, há quatro anos que coloco aos estudantes a seguinte pergunta: Que passos devemos dar para saber o que realmente se passa em Pembe?
Invariavelmente, sempre aparece um estudante que recomenda vivamente uma consulta aos chefes tradicionais e aos curandeiros para aprofundamento do fenómeno.
Só mais tarde, no diálogo, questão sobre questão, ideia sobre ideia, dúvida sobre dúvida, se abrem, timidamente, novas janelas de possibilidades cognitivas.
Nesse âmbito, uma segunda pergunta pode ser e tem sido feita: E se houver areias movediças ou remoinhos na lagoa ou qualquer outro tipo de fenómeno de natureza geológica?
Uma terceira pergunta, na sequência, pode ser e tem sido feita: Não deveremos contar com a participação de geólogos, de biólogos, de físicos, de químicos, por exemplo, numa equipa de pesquisa?
Debates ricos, debates fascinantes, debates da vida.
Mas no fim deles, a diagonal obtida é quase sempre a mesma, fortemente, afectivamente sentida pelos estudantes: combinemos os esforços dos cientistas com os dos curandeiros e dos chefes tradicionais, casemos remoinhos (por exemplo) e espíritos. Aqui se encaixam as duas perguntas fundamentais: O que provoca isto? (para o cientista)/Quem provoca isto? (para o crente nas acções mágicas)
O meu positivismo irremediável impede-me de acreditar que os maus espíritos estejam magicamente a travar o acesso à pobre da baía de Pembe. Mas a minha condição de cidadão tolhe-me fechar a porta a outros tipos de concepção e de racionalidade.
Por isso, se eu tivesse de fazer uma investigação em Pembe, seguiria a diagonal referida.
Tenho a certeza de que não encontraria os espíritos, mas estou certo de que lhes seguiria a pista como um perdigueiro.
E também sei que geólogos, biólogos, físicos, químicos, etc., não poderiam impedir que à retaguarda de um remoinho estivessem, pela crença recorrente, os maus espíritos ou apenas estivesse um mau espírito. Como no belo e interminável trajecto de uma boneca russa.

2 comentários:

Anónimo disse...

Aguente-se, Professor...
Jonas

Anónimo disse...

Na Escola de Jornalismo também exibiu o recorte. É difícil renunciar a crença e olhar, de forma desconfiada, o fenómeno social quando pouco se bebeu da ciência