18 abril 2006

Da rua clássica à rua pós-moderna

Vivemos séculos nas ruas clássicas, as ruas sensoriais, as de todos os dias, lá nos cruzámos, onde razámos veículos, coisas, cores, sons, odores, onde nos aproximámos e, mais geralmente, nos afastámos. Criámos todo um mundo motriz para a habitarmos.

Hoje, a rua clássica já tem uma substituta, ainda não hegemónica, mas com densidade transicional já notável. Falo da rua-computador, a rua não moderna, mas já pós-moderna, a rua dos sentidos simbolizados, com uma nova motricidade que é, afinal, uma anti-motricidade. Aí também temos o mesmo mundo compósito da rua clássica, simplesmente tudo é virtual. Mas não apenas virtual: é uma rua mais segura na aparência e, especialmente, com uma virtude: ela permite dar uma vida, uma história, um perfil ao desconhecido. O que na rua clássica surgiria como sem importância ou atemorizante, ganha na rua-computador o resgaste da posssibilidade, do encontro, da sinergia, da interface.
Mas a rua-computador tem ainda duas outras importantes dimensões: por um lado, nela a multidão surge domesticada, asseptizada; por outro, nós não estamos de facto numa rua, mas dentro de nós, não mais realmente na rua. Saímos das ruas dos comícios, das pelejas, dos fóruns, dos combates reais e entramos numa única rua, a nossa, estamos dentro de nós, no nosso isolamento real em meio a uma multidão virtual. É aqui que as lutas por uma humanidade mais justa, travadas no real, se esvaziam, se perdem, se eclipsam, trocadas por esta caixa mágica do pc, por estas lutas de contactos que são, finalmente, indolores, pessoais, irremediavelmente solitárias.

N.B.- Claro, o quadro é rigorosamente genérico, o que não significa excluir este tão belo momento de encontrarmos pessoas às quais, em princípio, não prestaríamos atenção na rua clássica. Na verdade, a rua-computador aproxima e cria momentos-vertigem. Por outro lado, não quero por agora falar na sexualização "netiana", haverá talvez momento para isso oportunamente.

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