21 abril 2008

E agora o cão virou curandeira

Por razões que ignoro, sempre há alguém que me vem contar histórias. Logo cedo, esta manhã e ainda a propósito do fantástico cão de Khongolote (município da Matola, a poucos quilómetros da cidade de Maputo), uma senhora veio ter comigo e perguntou. "Professor, como vai a história do cão?" Respondi-lhe que não sabia. E a senhora, solícita: "Apanharam o cão anteontem e puseram numa gaiola e depois o cão ficou uma senhora curandeira!" E eu: "Viu o cão?" Resposta: "Não, mas outras pessoas viram". E eu: "Você acredita?" E ela, imediata: "Como não acreditar?"
Pois é: que pode a minha pobre razão fazer perante tão veemente e soberbo exercício de emoção e crença?
1.ª adenda às 9:49: desta vez fui eu ter com duas senhoras, uma morando no Bairro Polana Caniço, outra no Bairro Ferroviário. "Como está o cão?", perguntei. A senhora do Polana: "Aquele cão tem magia, não viu aquela novela brasileira da Miramar aquela senhora que pode ficar rato ou outra coisa? Mesma coisa!" A senhora do Ferroviário: "Aquele cão é curandeira toda a gente sabe morde as pessoas nas mãos e depois as pessoas morrem". Por outras palavras: a história de Khongolote já não tem fronteiras.
2.ª adenda às 10:01: na definição de Jean-Bruno Renard, lenda urbana (também podeis dizer boato ou rumor) é um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações (in Rumeurs et légendes urbaines. Paris: PUF, 2006, 3.e éd., p. 6).
3.ª adenda às 10:08: em Agosto de 2006, residentes dos bairro T3 na Matola chamaram curandeiros para descobrirem os assassinos que supostamente aterrorizavam o bairro, face à crença na ineficiência da polícia. Aos curandeiros foi dado um prazo de 15 dias para encontrarem uma solução e revelaram a identidade dos criminosos. O dedo acusador foi apontado aos estrangeiros do Zimbabwe e dos Grandes Lagos localmente residentes, capazes, segundo depoentes do T3, de se transformarem em gatos, ratos e cobras para violarem mulheres na calada da noite e matarem cidadãos com o fito de lhes extraírem o sangue para operações mágicas.
4.ª adenda às 10:12: recordo a história do crocodilo com dois metros de comprimento que apareceu há dias junto ao muro de vedação do paiol das Forças Armadas na cidade de Maputo. Segundo o "Notícias", o animal foi abatido e a carne distribuída, mas tudo misturado com uma grossa inquietação, pois o Sr. Bernardo Mabote apoderou-se da cabeça do animal," cuja massa cerebral é tida como um veneno mortífero para as pessoas." Depois, o chefe do quarteirão 2 do bairro de Zimpeto, o Sr. Gaspar, "tentou, sem sucesso, proteger a parte da cabeça do animal para evitar que ficasse com indivíduos de conduta duvidosa, que eventualmente podem usar o cérebro para envenenamentos". O homem foi agredido e impedido de tirar a cabeça do crocodilo. Um criador de crocodilos próximo da área, Sr. José Ferreira, garantiu que o animal não lhe pertencia.
5.ª adenda às 10:26: disse-me uma moradora do Khongolote que o fantástico cão foi morto no sábado, que era o cão de um vizinho que "não tomava bem conta dele e depois o cão andava a morder".

3 comentários:

(Paulo Granjo) disse...

Já não há respeito pelos cães mágicos...

Carlos Serra disse...

Pois é...

Anónimo disse...

...crencas populares muito fortes e associadas a um certo grau de desinformacao criam caes magicos...
Creio que, apesar de termos muitos caes vadios, nunca tivemos muitas situacoes destas...Pelo que eu sei a raiva nao tem cura e faz muito sentido que um cao raivoso a solta posso matar gente sem que haja cura possivel. A cor preta do cao fortificou a crenca de ser algo envolvido em magia negra.