"O Parlamento zimbabweano aprovou quarta-feira, a Lei de Indigenização e Empoderamento Económico, ao abrigo da qual os cidadãos negros passarão a deter a maioria das acções nas empresas privadas, isto é, mais de 51 porcento das acções."
Siga o debate aqui no "imensis".
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
23 comentários:
Em pleno século XXI muitos de nós ainda dispersam as suas energias a discutir o sexo dos anjos.
Problemas sociais como o racismo e a pobreza, só para dar dois exemplos, erradicam-se quando destruirmos as fontes que os alimentam. São as causas que têm de ser combatidas.
Ao deixarmo-nos seduzir pela superficialidade dos fenómenos, corremos o risco de resvalarmos para o discurso gratuito e oportunista. Tentarmos diagnosticar os males da sociedade guiados por obsessões epidérmicas , estamos a comportarmo-nos e assumirmos os “valores” dos colonislistas e neocolonialistas de todas as épocas e nacionalidades
É ao nível das relações de produção e da distribuição da riqueza que radicam as verdadeiras razões que criam e alimentam o racismo, a marginalidade, a fome, a incultura, o chauvinismo e a intolerância.
Alguns de nós têm necessidade de se libertar da letargia ideológica que parece tolher as nossas capacidades de pensar e agir
Agry
Obrigado pelo comentário. Subscrevo especialmente o penúltimo parágrafo.
Também subscrevo o comentário de Agry. Já agora, o que se deve fazer quando, historica e injustamente, um segmento populacional aparece a controloar a totalidade dos meios de produção, incluindo a terra? Deixar que essa iniquidade histórica se corrija por si só?
Eu sugeria que, onde aplicável, se comparassem as condições dos trabalhadores (salários e outras regalias) das empresas resultantes do black empowerment com as restantes. Julgo tratar-se de um importante indicador para se concluir se são, de facto, mais benéficas para o país ou se são apenas uma via para aumentar o enriquecimento individual.
Questões fundamentais estão a ser colocadas...
Pareceu-me terem cessado os comentários
Sobre a questão que Anónimo levantou, insistiu no “penúltimo parágrafo”.
É, no entanto, difícil responder em poucas palavras.
As mudanças, as grandes mudanças , são o resultado da luta dos trabalhadores. Os privilegiados não cedem sem luta
É indispensável que irrompa a vontade colectiva pelo combate e apropriação das próprias condições de existência dos trabalhadores, isto é, deixarem de ser meros executantes de ordens de terceiros e actuem como senhores de si próprios.
Não são os governos através de medidas avulsas, com maior ou menor aparato, que alteram as relações de produção, as relações politicas e ideológicas
Agry
Em Mocambique o governo da Frelimo, dos primeiros anos da independencia corrigiu, com vigor, algumas iniquidades historicas. Por exemplo, as cidades mocambicanas, de areas eminentemente brancas, ficaram abertas a todos os mocambicanos independentemente da raca. Nao sabiam os primeiros negros viver em areas urbanas? Muitos deles pilavam milho nos apartamentos? Pode ser verdade. No entanto, seus filhos ja nao pilam milho, estao a aprender rapidamente como se vive num apartamento.
Os governos, principalmente os resultantes de lutas de libertacao, sao chamados a alterar injusticas que os colonizadores instituiram. Para os casos do Zimbabwe, Africa do Sul e Namibia, as injusticas tomam forma na assimetria racial na posse da terra. Se os governos desses paises nao lidarem responsavelmente com esse assunto serao, a prazo, derrubados pelas massas.
Quanto aos salarios pagos pelas novas elites ocorre-me uma ou duas perguntinhas. Como se processou a acumulacao capitalista das elites coloniais em Mocambique atee ao advento dos movimentos de libertacao? Pois foi com base no trabalho forcado, vulgo xibalo. Nao foi pagando bons e atractivos salarios ao nosso povo. Muitas vezes tendemos a esquecer isto. Que formas devem, as novas elites adoptar para acumular, tardiamente, capital? Confesso que nao sei, mas intuo que nao seraa pagando salarios elevados.
Obed L. Khan
Quanto ao seu último parágrafo, Obede, o Marx do "O Capital" sempre se mantém actual e sem raça. E um "dos" Marx até escreveu algures que a história se repete duas vezes: a primeira como tragédia e a segunda como farsa. Forte abraço!
Agry: o problema hoje é justamente o esfacelamento das organizações laborais (por exemplo, veja o contrato-tipo na Europa e nos Estados Unidos). Aqui creio que nem os sindicatos vão apara além de uma exigência de melhores salários. O sistema é aceite por inteiro. Mas espero ser corrigido. Forte abraço.
No limiar do século XXI, a esquerda não dispõe de grandes referências para arrasar as provocações decorrentes da hegemonia do neoliberalismo e do pensamento único.
Como diz Marta Harnecker, a nossa época é de desalento e de confusão, de esperanças frustradas. Estamos atrasados no diagnóstico do capitalismo da revolução das novas tecnologias
Estamos juntos. Abraço
Plenamente de acordo com Agry. Quando ignoramos as causas e nos distraímos a combater os efeitos, perpetuamos os problemas.
Manda o bom senso que, com mais de 80 anos Mugabe devia deixar a política activa para as gerações mais novas, dos 30 aos 60 anos, gente com outras perspectivas do futuro.
Querendo continuar a dar o seu contributo ao país, deveria optar por fazê-lo através duma Fundação ou órgão similar: deveria virar simples conselheiro. A sua época esgotou-se; não há imprescindíveis, nem insubstituíveis, seja onde for.
No meu entender, o problema fundamental do Zimbábwé, e também da Africa do Sul, é o desemprego. Mais de 40% da população activa desempregada, com a inerente instabilidade social. Porém, o desemprego não se combate expropriando a terra a quem produz com eficiência., como mostram os resultados práticos depois da expropriação de mais de 5000 fazendeiros.
Importa ponderar e encontrar solução para um problema particular da Africa do Sul e que era também do Zimbabwe antes das expropriações: menos de 5% da população activa no sector agrícola – como nos países desenvolvidos - produziam para auto-consumo e exportação.
Se os restantes sectores da economia – industria, transportes, minas, serviços – não se desenvolvem de modo a empregar a enorme faixa da população com fracas aptidões escolares e técnicas - como combater o desemprego?
Retirar a terra a quem produz com eficiência e competitividade internacional, para a entregar a quem está desempregado, mas não tem capacidade técnica nem apoios apropriados para manter a mesma produtividade, acabará por trazer problemas acrescidos: será apenas um placebo apenas.
São necessárias novas abordagens, pragmáticas, para este problema, que é nosso também. As medidas administrativas de indigenização da economia são utópicas.Temos hoje novos /diferentes problemas; precisamos de novas /difrentes soluções.
O engrossar do informal, no Zimbabwe, África do Sul e entre nós, é uma solução de recurso, de sobrevivência: um barril de pólvora.
Florêncio
Muito bem, Florêncio, Estou inteiramente de acordo.
Só daria uma certa nuance à "utopia" das medidas administrativas de indigenização do capital. Com a experiência que vários países africanos já possuem, está mais que provado que aquelas medidas não contribuem de forma nenhuma para o progresso económico. Nós próprios o sabemos, com a experiência das nacionalizações. Os que estão no poder não são ingénuos. Se aquelas medidas continuam a ser tomadas é porque atingem, de facto, os objectivos para as quais são pensadas: o enriquecimento de minorias eleitas pela classe dirigente. O modo como são expostas é que é um entorpecente para conseguir a adesão das grandes massas. Para essas sim,a indigenização é uma utopia, até que se apercebam da trama em que caíram. Mas já sabemos como é: amanhã virá um outro FMI, um outro Banco Mundial, obrigar a desindigenizar.
Continuo a acreditar que as assimetrias da passado, principalmente as assimetrias raciais que os colonizadores impuseram devem ser abordadas. Não devem ser ignoradas. Nem que fosse para que novas elites negras surjam e se juntem às antigas no controle dos factores de produção. Parece-me injusto que a terra, as fábricas e outros meios de produção sejam detidos apenas por um grupo racial. Exactamente aquele que controlava estes factores no antigamente. O black empowerment não me parece que tenha sido concebido como o principal factor de desenvolvimento da África do Sul ou da Namíbia. Sempre me pareceu um instrumento de acomodação das novas elites negras. E parerce-me ser um instrumento de contenção, embora a prazo, de tensões sociais, principalmente aquelas do passado.
Creio que, graças à política da Acção Afirmativa, a face da África do Sul de hoje não é a mesma daquela que conhecemos na década 80 do século passado. Haverá alguém que pense que isso está completamente mal?
É evidente que esta política tem os seus pontos negativos. Mas tem um potencial de mudança a não ignorar.
Obed L. Khan
Muitos dos negros que hoje escrevemos nestes blogs somos produto de políticas deliberadas do governo (principalmente o de Samora Machel) de nos pôr na escola, muitas vezes arregimentando milhares de nós para países longinquos (Cuba, Alemanha Oriental, URSS, etc.). A avalancha de moçambicanos para as escolas primárias e secundárias na década de 70 não tinha paralelo no passado. Sem que se tenha proclamado uma política de black empowerment ela ocorreu, de facto, em Moçambique. A face do antigo Liceu Salazar, por exemplo, mudou logo após a proclamação da independência. A face da antiga Universidade de Lourenço Marques, outro exemplo, também mudou. Todos esses pequenos passos concorreram para ir mudando Moçambique, retirando o negro de uma posição completamente marginal, para o centro da história do seu país. Mesmo que, entretanto, tenha cometido muitos erros e muitas inépcias. Mas já estava no centro da história de Moçambique e não à margem.
Obed L. Khan
Achei muito interessante a tese de Obed.
Na sua intervenção está implícito ( ou presente?) o caráter apologético da construção de novas relações de produção o que passa, como já se referiu, pela apropriação das técnicas de produção e do desenvolvimento técnico-científico.
É inadiável a ruptura com os entraves impostos pela burguesia à educação técnico-científica dos trabalhadores.
Não foi certamente por mero acaso que se apostou forte no sector da Educação em Moçambique.
A análise brilhante de Obed não será já o resultado duma aposta ganha?
Estamos certamente de acordo que a massificação da cultura, da técnica e da ciência é um factor decisivo, determinante para se destruírem, em definitivo, as velhas relações de produção
Agry
Agry,
Embora sendo absolutamente contra o sistema colonial e as relações que o caracterizavam, devo reconhecer que foi nas suas escolas primárias e secundárias, oficiais e de missões da igreja católica, que despontaram muitos Obeds que ainda hoje dão cartas na vida política, cultural e económica moçambicana!
A consumar-se, prometo manter-me no silêncio durante um período para me redimir desta abusiva invasão do Diário de um Sociólogo.
Faço-o porque não resisto recordar um episódio interessante:
Para justificar, apesar de tudo, a presença de cidadãos lúcidos na sociedade sul-africana,o reitor da Universidade de Cap Town, quando duma visita de Veiga Simão afirmou a certa altura:
“No esterco também nascem flores”
Eu sei, todos nós sabemos, que Amilcar Cabral, por exemplo, licenciou-se na capital do Império.
Tentei pensar o sistema.Nada mais
Agry
Peço-lhe que não retire, Agry. Visões raciais e racializantes são sempre complicadas, mas são perfeitamente explicáveis. Abraço a todos.
E ajuda-nos a pensar também, Angry. As suas intervenções são sempre bem-vindas por todos nós, creio. Esta nossa realidade moçambicana (como todas, aliás) é bem complexa e todas as achegas são úteis para a tentarmos compreender.
E, já agora, sigam o debate que vai acontecer no meu "deixa-falar", justamente a propósito do Zimbábuè...
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http://espiritododeixafalar.blogspot.com
Agry, um abraço. Estive ausente do Maputo. É agradável debater, discordar e concordar contigo.
Obed L Khan
Obed
Compartilho da tua opinião
Um abraço
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