A mentalidade madeiral é a do recolector: cortamos, recolhemos, exportamos. E se não atingimos os 100% ficamos infelizes e queixamo-nos, até, ao presidente da República.
Somos estrangeiros à mentalidade do produtor. Amamos ser apanhadores de amêijoas. Amêijoa não exige fábrica, apenas exige cuidado com o meio que permite a sua sobrevivência.
A esse propósito vou recordar coisas que já escrevi aqui há tempos.
Ficamos felizes por exportarmos madeira, por cobrar impostos. Ficamos felizes por recebermos depois a nossa madeira sob forma de mobílias. Amamos sentar-nos em cima de nós-próprios.
Quem diz madeira, diz muitas coisas coisas, diz camarão, tabaco, caju, banana e por aí fora.
A nossa mentalidade tornou-se definitivamente exportadora e cobradora. Estamos a juzante de um processo sem montante: não é a nossa indústria que importa, mas a alimentação das indústrias dos outros.
Passamos horas em workshops (esquecemos até o termo seminários), criamos mestrados por atacado para formação em economia, convidamos excelsas cabeças pensantes para nos ensinarem como se fazem negócios, convidamos todos e sobretodos para virem investir no nosso país, estabelecemos parcerias "inteligentes" não importa com quem.
Mas algum dia se fez neste país um workshop a sério, prolongado, sobre como erguer e ajudar a manter a indústria moçambicana? Sobre como proteger a nossa burguesia? Sobre como financiar os nossos empresários, não os empresários com mentalidade chapa 100, mas os empresários que queiram investir (e que estão a investir) na produção a sério? Sobre como assegurar facilidades bancárias e juros preferenciais? Sobre como travar o acesso dos produtos estrangeiros que fazem colapsar os nossos? Sobre como fabricarmos a nossa mobília com cortes de madeira que assegurem a biodiversidade? Sobre como fazer com que os nossos alunos se sentem em carteiras e não no chão? Sobre como sermos um Estado forte ao serviço de uma indústria forte?
Não: não fizemos, nem fazemos. Por quê? Porque estamos a juzante, porque somos matéria-primados, orgulhosos por exportamos o que os outros transformam para seu benefício. Não é a amêijoa saborosa?
Há dias, um empresário em Inhambane queixou-se de que iria fechar duas fábricas de óleo alimentar porque não podia concorrer com o óleo da Malásia, chegado bem mais barato. Ouvido um director estatal, este disse que não era função do Estado controlar preços. Pois claro!
O que fazemos, fizemos ou poderemos nós fazer para evitar a síndrome da dependência, do arruinamento de tudo o que, de produtivo, é nosso e poderia ser nosso? Nada. Amamos apenas o primário e o terciário em nossas parcerias ditas inteligentes. O que restava da nossa indústria da eras colonial e revolucionária foi transformado num monte de armazéns enquanto milhares de trabalhadores ficaram desempregados.
Falta-nos a pedalada ganhadora da Lurdes Mutola. Para quê comer o nosso bolo se o bolo estrangeiro chega rápido e barato? Por quê proteger os nossos frangos, os da UGT, se os frangos brasileiros chegam rápido e barato?
Embarcamos orgulhosamente no "made in Mozambique" com os pulmões respirando, porém, o oxigénio do export matéria-primal.
Amamos o turismo, os turistas, expomos praias, acampamentos na selva, camarões e leões. E o que mais?
O que escrevo é inviável? Acham mesmo que sim?É inviável questionar as regras do jogo? É inviável defendermos um país forte, industrializado, lutador, com uma burguesia forte, com um Estado protegendo a sua indústria? É inviável pensarmos que temos centenas de engenheiros agrónomos capazes de pôr a nossa agricultura a funcionar em pleno sem necessidade de técnicas chinesas, americanas, russas ou galáxicas?
De que nação falamos quando dizemos que o seu estado é bom? De que desenvolvimento falamos? De que combate à pobreza "absoluta" (espantoso vocábulo este!) falamos? Servirão as futuras estradas, a futura energia eléctrica para termos o nosso povo mais rico e feliz ou para fazermos com que a nossa matéria-prima saia mais rapidamente para benefício estrangeiro? Já nos interrogámos sobre isso? Já procurámos sair um pouco fora dos carris de quem nos pensa em lugar de nos levarem a pensar por nós-próprios? Estamos dispostos a pensar que a crítica faz bem melhor ao nosso povo e ao nosso país do que o seguidismo acéfalo, think-tanks?
__________________________
Feliz fiquei hoje quando soube, através da Rádio Moçambique, de um camponês em Alto-Molócuè que pratica a aguacultura, que cria peixes em tanques, que tem já dez tanques, que vende o peixe que dessa maneira cria.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário