14 maio 2007

Maria Moreno e o Kremlin (ou a kremlinização da vida) (2) (fim)


A essencialização de coisas e de pessoas parece ser uma característica inamovível de todos nós. Uma vez atribuída uma característica essencial a um coisa ou a uma pessoa, essa característica ganha como que força própria, autogera-se em nós como uma mão estranha.
A essencialização radica-se no que Bergson chamou previsão retrospectiva. Por outras palavras e para nos situarmos rapidamente no campo político local: a Frelimo totalitária de hoje só tem sentido se, em permanência, a fizermos preexistir a partir da sua proto-história marxista. Haja o que houver, do ponto de vista da Renamo a Frelimo só pode ter a sua origem e os seu destino demoníacos no reduto do Kremlin, na alma de Lenine, mesmo se conduza hoje, como conduz, o leme do mais refinado capitalismo.
Ao mesmo tempo, a mesma essencialização ocorre do lado da Frelimo: faça o que fizer, seja Maria Moreno ou não, a Renamo será sempre a personificação do grande Mal, o conjunto dos bandidos armados, o oposto absoluto da virtude e da democracia, mesmo se hoje possua os mesmos ideais da Frelimo e com esta procure gerir o barco da democracia.
A Assembleia da República é um admirável laboratório para estudo desse fenómeno em que cada lado canibaliza demorada e pantagruelicamente o outro.
Nesta sempre vigorosa fagocitose da diferença e da mudança, Renamo e Frelimo vivem kremlinizados em permanência: a cada um o seu kremlin, a cada um a sua essência.

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