02 maio 2007

A propósito da mentalidade madeiral de 66% (1)


A notícia que se segue, inserida no "Notícias" de hoje, vai dar-me o ensejo de um comentário a partir do número seguinte desta nova série:
"O presidente da República, Armando Guebuza, não concorda com a justificação do Governo da província de Cabo Delgado, segundo a qual as exportações diminuíram em 66 por cento num ano devido à interdição da exportação da madeira em toros, ao mesmo tempo que, mais uma vez, repreendeu o Executivo provincial por não estar a cumprir o seu próprio plano de trabalho."
E acrescentou o presidente:
“Eu penso que os nossos dados estatísticos devem ser um pouco mais aprofundados. Não penso que os resultados sejam negativos devido à interdição da exportação da madeira em toros, porque, afinal, o objectivo era exactamente esse, de levar os toros a serem transformados. A questão é saber se houve essa transformação ou não. Ou, ainda, o que é que está a ser feito para que essa transformação ocorra. O que terá resultado dessa transformação, que pode dar em maior exportação ou até em maior consumo da madeira dentro do país.”

4 comentários:

chapa100 disse...

e o presidente esta questionando a verdade. um bom comeco. aqui o presidente interpela se a falta do crescimento é devido a nossa razao de nao deixar exportar madeira em toros? talvez agora professor ja temos mais um aliado "fundamentalista ambiental" do nosso lado. interessante ainda: questiona a legitimidade dos instrumentos analiticos das pessoas que justificam a diminuicao das exportacoes devido a nao exportacao da madeira em toros: os dados estatisticos sao profundos? porque transformar a nossa madeira é perigoso para nossa economia do que exporta-la em toros? qual é o objectivo afinal de exportar a madeira em toros? a exportacao em toros ou a sua transformacao, que resultados queremos atingir?

mas do que estas questoes todas, o presidente abre caminhos para uma discussao sobre a percepcao do desenvolvimento, que indicadores economicos e sociais temos para justificar o nosso crescimento? quais os dados negativos e positivos que usamos para monitorar a nossos planos de desenvolvimento?

aqui estamos perante um campo analitico que o presidente lancou. mas do que o discurso de pobreza absoluta, o presidente devia dizer mais essas coisas, porque assim ajuda-nos a pensar de como sair da pobreza.forca presidente.

Carlos Serra disse...

Sim, finalmente alguém colocou a possibilidade de pensarmos de forma diferente - e foi o próprio presidente. E eu avançarei nessa vereda na série.

Patricio Langa disse...

Sim, o posicionamento do PR é importante.
Mas a tomada de partido do PR não autoriza nenhum dos argumentos. O da existência ou o da não existência do fenómeno desmatamento/desflorestamento. Não autoriza, simplesmente, porque não é da competência do chefe do estado estabelecer a existência de tais fenómenos. As estatísticas não oficiais não adquirem o estatuto de verdade porque o presidente tomou o posicionamento que tomou. Nem as estatísticas oficiais passam a estar correctas ou erradas pelas mesmas razões. Esta-se num campo de luta pela definição de risco ambiental. Essa luta simbólica pela definição do risco ambiental passa pela definição do que é o desmatamento/desflorestamento. Mas esse exercício ainda não foi feito por nenhuma das partes envolvidas. E aqui não importa a perspectiva disciplinar. O tema se polemizou e polarizou. Uns acusam outros de mandatários de sei-lá quem. E os outros usando a caricatura do argumento conspiratório desqualificam o argumento opositor para defender a existência do mal. A mim, como sociólogo, essa luta pela definição do risco ambiental por via das implicações do efeito (probabilístico) do desmatamento/desflorestamento é mais interessante que qualquer tomada de partido. Nessa luta pela definição do risco ambiental é importante olhar-se para as características sociológicas, para as trajectórias e origens sociais dos intervenientes de ambos os lados. Não é qualquer pessoa que corta legal ou ilegalmente, transporta, comercializa e por ai em diante a madeira. Assim como não é qualquer um que decidi iniciar um movimento de protesto contra a degradação ambiental. Todos esses factores são convocados na definição do risco. Historicamente, e no contexto das sociedades ocidentais, os movimentos de defesa do ambiente surgiu de grupos sociais sem preocupações de ordem material (o que comer, onde dormir, etc).Pelo menos, nesses grupos a consciência ambiental era mais acentuada do que naqueles outros com preocupações ambientais. Claro que não se trata de uma teoria geral, mas é preciso considerar. Por exemplo, explorar clandestinamente ou não a madeira pode trazer benesses (materiais e simbólicas) tanto quanto constituir movimentos sociais de defesa do ambiente.
Este é apenas o meu, modesto, posicionamento como sociólogo.
Vamos debater? Vamos! Desde que não me coloquem em nenhum dos lados do debate, emotivo, que tem vindo a ser feito até agora.

chapa100 disse...

" aquele que nao esta em condicoes de suportar a melancolia da insuficiencia de uma ciencia sociologica do homem deve voltar as costas a esta disciplina; pois o dogmatismo sociologico é pior do que a inexistencia da sociologia". Ralf Dahrendorf, Homo sociologicus

nao sou sociologo mas esta citacao é bastante forte para minhas conviccoes sobre as ciencias sociais e humanas.

o patricio langa expoe no seu argumento pontos de analise muito interessantes. e como sempre empresta a esfera publica um bom ponto de partida e de analise.

e no seu argumento o patricio leva-me para a definicao do objecto da sociologia. mas por outros argumentos o patricio nega o problema da organizacao social das relacoes entre os homens e o ambiente. o que torna possivel a organizacao social constitui o campo de estudo da sociologia. o meu envolvimento na luta pelas florestas tem haver com o facto social - as florestas estao a ser exploradas desorganizadamente e ilegalmente- e a norma - a floresta é um bem que deve ser protegido, explorado legalmente, tem um valor colectivo de uma sociedade -.

entao existe na minha sociedade pessoas ou instituicoes que estao agir contra a norma da minha sociedade - normas legais e costumeiras.

porque a fala do presidente da republica é de capital interesse para mim? porque o presidente representa a autoridade politica da norma legal e costumeira da sociedade onde vivo.


o patricio escreve que precisa-se definir o que é desmatamento\desflorestamneto. quem define? a sociedade? o sociologo? o governo? quem? o madereiro?. e parece-me que ja temos uma definicao sobre isso. basta ler o relatorios dos varios consultores e instituicoes do estado.
interessante ainda caro sociologo, "A mim, como sociólogo, essa luta pela definição do risco ambiental por via das implicações do efeito (probabilístico) do desmatamento/desflorestamento é mais interessante que qualquer tomada de partido. Nessa luta pela definição do risco ambiental é importante olhar-se para as características sociológicas, para as trajectórias e origens sociais dos intervenientes de ambos os lados" aqui so o sociologo nao precisa de definicoes, o sociologo é unico que pode olhar para as caracteristicas e trajectorias dos intervenientes. e nem toma partido em relacao ao objecto de estudo, a accao social, o sociologo esse vive no jupter e de la com uma sonda estuda as florestas de mocambique.

"Não é qualquer pessoa que corta legal ou ilegalmente, transporta, comercializa e por ai em diante a madeira. Assim como não é qualquer um que decidi iniciar um movimento de protesto contra a degradação ambiental.". se nao é qualquer pessoa, entao quem é? qual é a pessoa que nao é "qualquer"?

"Historicamente, e no contexto das sociedades ocidentais, os movimentos de defesa do ambiente surgiu de grupos sociais sem preocupações de ordem material (o que comer, onde dormir, etc).Pelo menos, nesses grupos a consciência ambiental era mais acentuada do que naqueles outros com preocupações ambientais. Claro que não se trata de uma teoria geral, mas é preciso considerar". entao nao é a consciencia civica, ou a consciencia do risco que leva a pessoas a manifestarem-se, é o material?

"Vamos debater? Vamos! Desde que não me coloquem em nenhum dos lados do debate, emotivo, que tem vindo a ser feito até agora". o sociologo é tao modesto que nao tem emocoes.

a minha intervencao ou posicao sobre a problematica das nossas florestas é sustentada pela formula das tres consciencias - explorado por paulo freire- :

1- a consciencia magica: definada como aquela consciência dos grupos humanos que estão de tal maneira imersos nos acontecimentos do dia-a-dia, que não percebem nem as verdadeiras causas dos acontecimentos, nem o processo a que se chama processo da História

2 - Consciência transitivo-ingenua é a consciencia dos grupos humanos que já conseguem perceber de alguma maneira que os acontecimentos de cada dia nao sao frutos do acaso nem de forças extramundanas. Percebe-se que a história humana e um desenvolvimento contínuo do proprio homem. Entretanto, a visão das causas ainda é insuficiente e, principalmente, ainda nao tem o dinamismo que impele a tentar corrigir as próprias causas dos acontecimentos negativos. As pessoas percebem que a pobreza é fruto de injustiça, mas nao analisam corretamente esta injustica, ou não sabem como lutar contra ela.

3 - Consciencia critica é a consciencia que superou os dois limites: o limite que afoga a consciência na ignorancia e na inércia, o limite da inércia e da impotência perante a realidade humana.

e estou a procura da consciencia critica, ela tambem responde a emocao do ser social que sou: produto do campo psicologico, emotivo e social.

a posicao do presidente como disse ela é de grande importancia porque reforca o campo analitico que precisamos para justificar que a consciencia civica nao é so " produto do bem estar material".

agradeco a tua interpelacao patricio, ajudou-me a clarificar a consciencia critica.

um abraco sem emocoes.