



Podemos ser ricos de muitas maneiras.
Por exemplo, podemos ser ricos de pobreza.
O relatório que aqui divulgo, da autoria de Catherine Mackenzie, elaborado ano passado, mostra claramente de que maneira podemos um dia ficar sem florestas.
E, portanto, ricos de pobreza.
Mas mostra uma coisa bem mais profunda: os tentáculos de todos os tipos, estrangeiros e nacionais, que nos tornam dia a dia mais pobres e felizes com com essa pobreza, pobreza que enriquece estrangeiros, mas pobreza que, também, assegura dividendos a quem internamente permite o enriquecimento externo. Para mudar um pouco o pensamento do velho Mao Tse Tung: nenhum ovo dá origem a um pinto se um calor local não lhe der um empurrão. E ampliando, agora: nenhum neo-colonialismo medra sem donos da casa solícitos.
A coisa é, estruturalmente, bem mais complicada do que termos a Zambézia (e provavelmente também já Sofala) transformada num take-away chinês e de permitirmos que a nossa madeira faça florescer a indústria mobiliária chinesa.
Nos anos 80 mostrei, em livros de história, de que maneira nos fizeram exportar e exportámos, durante séculos, escravos, marfim, madeira, peles, tanta coisa, para que outros (nas Américas, na Ásia, na Europa) enriquecessem à nossa custa (da maioria). Isso foi feito não apenas por quem aqui vinha, mas por quem, nesta grande casa proto-moçambicana ontem, moçambicana hoje, colaborava no saque.
Não creio que o tempo de hoje seja muito diferente do tempo de ontem em muitas coisas.
Lamentavelmente.
Como um dia escreveu Marx, a história repete-se duas vezes: à primeira como tragédia, à segunda como farsa.
Estão dispostos a discutir comigo o que escrevi?
20 comentários:
Uma desgraca mwana carlos.E agora vai chegar o boss chines...Somos todos camaradas, as florestas da nossa terra tambem.
Vai ver professor que ninguem dos que mandam se vai preocupar.
Em Nampula e Cabo Delgado a situacão é semelhante a da Zambézia. Mas a pergunta é se os nossos governantes compreendem o que estão a fazer. É verdade isto se assemelha à venda de pessoas (escravidão). Afinal que utilidade tem o Ministério do Meio Ambiente? Só para mais despesas?
A situação se agrava. Não tenho competência para discutir questões ambientais. Espero que não fiquemos como no Sahel: sem árvores e apenas com amendoim...O meu interesse é mais amplo: penso nas decisões e nos interesses subjacentes a essas decisões.
Creio que C.S esperava por comentários mais elaborados – elaborados? Mais alargados – alargados? Mais críticos – críticos? Mas analíticos – analíticos? Não pretendo sugerir como se deve passar a comentar no blog. Mas respondo à premonição de que C.S esperava por algo mais....
Sem querer julgar as intenções - reais - daqueles que (interna e externamente) nos querem ajudar a desenvolver, está subjacente no que acaba de nos reportar neste post a natureza das relações entre quem ajuda e quem é ajudado na longa marcha para vencer o sub/ desenvolvimento. Enquanto os primeiros, que, hoje, vem em nome do aumento do investimento directo estrangeiro (IDE), exploram matéria-prima bruta, isto é, nunca processada localmente, senão o suficiente para não levar o lixo consigo, os segundos contentam-se com a promessa do desenvolvimento. Essa promessa vem em forma de mais empregos, ao custo de ficar com menos recursos, e de mais importação de produtos já manufacturas. Em outras palavras, compram ao quíntuplo suas próprias matérias-primas já processadas. Esta é a estrutura, estruturada e estruturante das sinuosas relações de cooperação para o desenvolvimento sino-chino-africanas, hoje! E ainda achamos, que estes são melhores que aqueles outros que também nos querem ajudar.
Ao que parece nem a experiência colonial nos ajudou a, pelo menos, ‘fungularmaso’
P.L
Concordo com o miolo da sua formulação, PL. Mas tenho para mim que temos de tentar furtar-nos à velha panaceia terceiro-mundista para nos increvermos na lógica das alianças e dos benefícios dessas alianças. Sem dúvida de que somos todos moçambicanos, mas há quem de nós entende melhor dessas coisas, não acha? Quem entende, quem aproveita e quem depois difunde um discurso homogeneizante transformando em interesses gerais ou universais o que são, apenas, interesses particulares, de um grupo ou de grupos.
“Utilizaçao injusta e insustentavel dos recursos da floresta”. Li. Parei. Pergunto:
A quem beneficia essa “utilizaçao insutentavel dos recursos da floresta”?
Segundo o relatorio supracitado : ás elites, do sector politico e privado e aos compradores estrangeiros. Quem sao as eleites? Moçambicanos, homens e mulhres de hoje que utilizam os recursos dos homens de amanha!!! Resposta inquietante.
é impossivel nao estar de acordo com a brilhante intervençao de PL. Entretanto, parece-me ser hora de começar a pensar em responsabilizarmo-nos pelos nossos actos. Por isto nao perguntarei se existem florestas na China, ou em outro ponto qquer da Europa. Mas, interrogar-me-ei sobre os discursos da identidade nacional, e a acçao politica.
Estou em crer, neste caso, que a acçao individual sobrepoem-se ao interesse colectivo. Esquecem-se que a floresta é um patrimonio nacional, que está a ser posto em jogo.
Esquecem-se que é o futuro dos nossos filhos que está a ser comprometido.
Enfim, o egoismo atroz, que correi o “ventre das cabeçinhas pensantes” ultrapassa, para mim, os limites do compreensivel, deixando-me a matutar sobre a legitmidade dos actores nacionais nas negociaçoes da “estrutura, estruturada e estruturante das sinuosas relações de cooperação para o desenvolvimento” ...
corrigenda
na 7a linha a contar do fim onde se lê "correi" é "corroi"
Questões inquietantes, sim.
Tenho estado a policiar o meu instinto acusatório – tipo só pode ser... – sempre que intento a este tipo de análises. Confesso, por influência das leituras que tenho feito de E.Macamo. O problema, como tentei sugerir antes, parece ser mais profundo e complexo do que o interesse de alguns grupos poderia justificar (sem querer discordar da sugestão de C.S de que existe uma relação simbiótica, nisto, entre os de lá e os de cá).
Parece-me, no entanto, ser mais uma daquelas questões relacionadas com a falta de clareza no funcionamento das nossas instituições, alias mau funcionamento, (neste caso ministério da agricultura e todas as entidades ligadas a concessão de licenças para exploração de recursos naturais e sua respectiva fiscalização).
A caixa número cinco é disso um exemplo, flagrante. É justamente essa fragilidade institucional que abre espaço para que indivíduos (e esses não precisam ser necessariamente as ‘elites no poder’) façam e desfaçam a belo prazer e impunemente. Perguntar quem se beneficia com esta situação parece-me a pergunta do detective que quer encontrar um suspeito/acusado a todo custo para explicar o homicídio. Isso nos remeteria para a situação da caça as bruxas, de novo, para as teorias de conspiração e não o caminho para um ‘melhor’ diagnóstico do problema. A exploração dos recursos não me parece ser o problema em si, mas o contexto institucional em que aquela ocorre. Há muito pano para a manga. Reflictamos.
P.L
É sempre útil uma ética à Habbermas, uma "agir comunicacional", um esvaziamento de certas coisas vitais em política em favor das análises serenas, sem dúvida. A educação das pessoas é, sem dúvida, uma coisa sensata. O agir comunicacional, educador,conselheiro, desvendador,articulador, mostrando os erros para que eles sejam corrigidos, é, claro, uma boa e necessária e didáctica atitude. A neutralidade axiológica, o não tomar partido, tudo isso é, claro, um bom e eficiente sedativo, tira-nos o stress dos compromissos e poupa-nos os terríveis golpes de rins partidários. As fragilidades instituicionais podem ser desfragilizadas e reinstitucionalizadas, sem dúvida.Mas a questão é que as instituições não são nem coisas neutras nem puros exercícios de consciência corrigíveis por consciências puras. Instituições são canais de luta política "politicamente interessada", a cargo de actores que são bem mais do que simples pessoas boas ou más ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Deixar de procurar os beneficiadores de situações políticas economicamente rentáveis é, claro, uma atitude sensata e que, até, evita as úlceras gástricas. O risco, porém, é cairmos no reino das enteléquias. Mas prossigamos o diálogo e mutualizemos as nossas opiniões e os nossos diagnósticos. Um abraço não conspiratório!
So uma precisao qdo falei em recursos eu queria reportar-me sobretudo aos recursos naturais. E qdo eu digo que o “é o futuro dos nossos filhos que está a ser comprometido” quero simplesmente referir-me às implicaçoes tecnicas e socio-economicas da desflorestaçao. Pois, uma desflorestação mal conduzida pode levar ao aumento do efeito de estufa, erosao dos solos e à desestabilização das bacias hidrográficas, ao enfraquecimento da relação simbiótica entre a vida animal e a vegetal, à diminuição da biodiversidade, enfim ao aquecimento do planeta o que induz a outros factores que provocam a destruição dos espaços florestais. i.é uma desflorestaçao mal conduzida engendra problemas tecnicos que por sua vez acarretam desordens sociais como por exemplo o deslocamento de populaçoes que viviam em harmonia com o esossistema florestal...
Leia as novidades hoje no diário.
Prezado C. Serra
podi me aperceber pelas tuas linhas a tristezas que carrega sobre a situacao das florestas em Mocambique. Sugiro que facamos uma campanha de advocacia extensiva a tudo e todos, porque isto ja nao esta a dar. Vamos fazer uma guerra declarada e aberta para todos que promovem este tipo de situacoes, vamos usar todos os meios possiveis para divulgar este relatorio, internamente e externamente.
Nao vamos aceitar perder a nossa heranca, a pouca que ainda nos resta. a luta continua.
Eduardo Nhabanga
edu242001@yahoo.com
Sim, Eduardo, a luta continua!
João Craveirinha, conhecido escritor moçambicano traz-nos, em ortografia no original, o seguinte relatório confidencial e insuspeito do Visconde da Arriaga sobre a escravatura no norte da colónia portuguesa de Moçambique, apresentado às Cortes do Reino de Portugal em 1881: “mas os régulos dos sertões prestavam-se a esta mercancia sempre constrangidos (…) sendo necessário aos brancos empregarem o artifício e a violência para a conseguirem”.
O Visconde da Arriaga foi presidente juiz de direito, Governador – geral de Moçambique e Deputado às Cortes do Reino de Portugal, nos meados do século XIX.
João Craveirinha, conhecido escritor moçambicano traz-nos, em ortografia no original, o seguinte relatório confidencial e insuspeito do Visconde da Arriaga sobre a escravatura no norte da colónia portuguesa de Moçambique, apresentado às Cortes do Reino de Portugal em 1881: “mas os régulos dos sertões prestavam-se a esta mercancia sempre constrangidos (…) sendo necessário aos brancos empregarem o artifício e a violência para a conseguirem”.
O Visconde da Arriaga foi presidente juiz de direito, Governador – geral de Moçambique e Deputado às Cortes do Reino de Portugal, nos meados do século XIX.
Cumprimentos. Gabriel Muthisse
Um pesado fardo, Gabriel, um pesado fardo, sem dúvida. Uma perfeita desgraça.
Coincidência ou não mas as nossas vozes devem soar mais alto. Temos que salvar as "nossas florestas", as "nossas raízes" tal como disse Professor. Por incrível que pareça o explorador florestal chinês já descobriu há tempo as nossas fraquezas. Ele pode fazer e desfazer nesta terra e nada lhe acontecerá, porque a fiscalização é inexistente, se existe é frágil. É tempo de travarmos essa "pilhagem". Como? Abolindo o regime de exploração florestal por "licença simples", porque cidadãos nacionais, com apoio desses chineses tem alimentado essas barbaridades: esse regime de exploração é prejudicial ao meio ambiente,pois não permite o maneio florestal. Tal como já disseram Serra Jr. e Chicue(2005,p103)num comentário feito a LFFB,"muitas licenças de exploração são emitidas sem que os respectivos operadores apresentem..." o "plano de maneio". Tenho dito e parabenizo a iniciativa.
Uma vez mais obrigado, Sr. António Chuva.
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