22 maio 2006

O que dissimula a equação pobreza= fome

(...) O que dissimula a equação “pobreza= fome”, são todos os outros aspectos da pobreza, donde certos são muito complexos: “condições de vida e de alojamento horríveis, a doença, o iletrismo, a violência, as famílias desunidas, a fragilização dos laços sociais, a ausência de futuro e a incapacidade de produzir” – problemas que dificilmente podem ser resolvidos com golpes de biscoitos hiperproteínados e leite em pó.
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Bauman, Zygmunt, Le coût humain de la mondialisation. Paris: Hachette Littératures, 1999, p. 114. O autor comenta e cita um observador contemporâneo, Ryszard Kapuściński, num trabalho por este publicado em The Economist.

5 comentários:

Carlos Serra disse...

Sobre esta entrada, Iolanda Aguiar mandou-me um email do qual extraí a seguinte passagem:

A proposito do seu artigo o que dissimula a equaçao pobreza = fome; envio-lhe um arigo “coment l’aide humanitaire appauvri l’Afrique” o site é http://www.africamaat.com/article.php3?id_article=525

Muito obrigado, Iolanda!

Anónimo disse...

“biscoitos hiperproteínados e leite em pó estimulam o crescimento dos paises doadores!!!!

A noçao de pobreza exprime um certo numero de carencias de ordem quantitativa e qualitativa, objectiva e subjectiva: dinheiro, educaçao , alimentaçao , integraçao , liberdade, segurança, dignidade, etç. Alias , o Professor é bem explicito em seu artigo.

No entanto, a questao da pobreza, vem à ribalta em momentos de crise. “os “pobres” chamam a atençao para a intervençao dos actores publicos ou privados em virtude essencialmente de valores estéticos, da percepçao de um risco ou da convicçao que eles representam um custo (politico, economico, social ....)” (Destremau, 1992: 65)[1]

Os experts da FAO, dizem que a pobreza nos paises em desenvolvimento esta concentrada nas zonas rurais. Cerca de 2/3 dos pobres no mundo vivem no meio rural. Numerosos estudos demonstraram que o crescimento baseado no crescimento da agricultura é mais eficaz para lutar contra a fome e a pobreza (le monde, 9 decembro, 2005)[2]

A agricultura e o desenvolvimento rural continuam dominios estratégicos para as politicas publicas africanas, tendo em conta a configuraçao demografica e economica especifica de cada país. E nesta optica que alguns decidores e operadores de alguns paises africanos apostam na promoçao da agricultura empresarial. O que em minha opniao nao é catastrofe alguma sobretudo, se a dita agricultura empresarial esta por um lado enquadrada num sistema que permita o desenvolvimento da agricultura camponesa e por outro lado se essa mesma agricultura empresarial é lucrativa.

Infelizmente algumas vezes nao é o caso, é ai que a agricultura empresarial, transforma-se em pesadelo catastrofico. Casos ha em que essas empresas agricolas sao dirigidas por grupos estrangeiros e por vezes fortemente subvencionadas pelos estados dos paises que as acolhem.

Exemplo, foi o que se passou em Sao Tomé e Principe entre 1986 e 1990. Ao que parece, é o que se passa agora em Moçambique, pois segundo o diario de Noticias “O Governo moçambicano está a tentar evitar a falência do grupo português ligado à agricultura João Ferreira dos Santos (JFS) . As negociações visam o saneamento financeiro em todas as empresas da JFS. Segundo o semanário Savana, o grupo tem dívidas à banca e ao Tesouro de 28 milhões de euros.”[5]

Por outro lado, certas “organizaçoes camponesas” defendem massivamente a agricultura camponesa como principal polo de desenvolvimento. Do ponto de vista da organizaçao da produçao, uma das caracteristicas essenciais da agricultura camponesa é a simbiose entre a exploraçao agricola e a familia, enquanto unidade de produçao: as relaçoes socias sao fundadas sobre as relaçoes familiares por um lado e por outro lado a “racionalidade” da exploraçao agricola é dirigida para a reproduçao da unidade familiar e nao para a maximizaçao do lucro ou do bem publico. O que leva Haubert (1995:10) [3] a dizer que “todos os produtores camponeses sao por definiçao “pequenos produtores” e “produtores familiares”. Mas o inverso nao é verdade”. As sociedades ditas camponesas sao mto diferentes do ponto de vista das suas caracteristicas internas e da sua articulaçao à sociedade englobante.

Sem querer subestimar o eventual sucesso de politicas agricolas que optando pelas plantaçoes empresariais, possam ter tido e/ou continuem a ter eu gostaria de sublinhar que, a agricultura das sociedades ditas camponesas nao sao vocasionadas para a maximizaçao do lucro, entretanto, do ponto de vista sociologico hà outras vantagens tais como a integraçao das populaçoes no meio rural, sendo esta uma das formas de luta contra a pobreza, mais eficaz que a distribuiçao de “biscoitinho com leitinho”!

Para além disto, nenhuma reduçao drastica e duravel da pobreza pode-se efectivar sem crescimento économico, sublinha ainda o relatorio da FAO (publicado a 7 de Dezmbro de 2005). Estou em querer, que podemos perguntar em que mediada é que a destribuiçao de biscoito proteico estimula o crescimento economico?

Sim, a destribuiçao de biscoito proteico estimula o crescimento economico, mas ela estimula justamente o crescimento économico, dos paises doadores.

Pois sao eles que plantam o trigo, colhem-no, tranforma-no em farinha, vai para a fabrica das bolachas onde é adicionado o leitinho da “vaca que ri” enquanto nossas crianças continuam “chorando” (Nas zonas rurais as crianças estão 1,4 vezes mais em risco de morrer durante o primeiro ano de vida do que nas zonas urbanas ver artigo neste blog – “elevada mortalidade neonatal em Moçambique”).

Em suma, uma fileira é posta em marcha desde a produçao até à tranformaçao agro-industrial, ficando toda a mais valia nos paises ditos desenvolvidos! Sim, a distribuiçao de de biscoitos hiperproteínados e leite em pó estimula o crescimento dos paises desenvolvidos, digo dos paises doadores!!!!

Para “rematar em beleza” ainda segundo o relatorio da FAO, importantes mudanças da estrutura geografica , do comercio agricola foram registadas ao longo das quatro decadas. Uma grande parte das exportaçoes agricolas mundiais provem dos paises desenvolvidos.
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Entretanto, gostaria de sublinhar que a mondializaçao actual nao é a primeira mundializaçao. Certo, muito menos intensas, no seculo II foi a época romana mas n século X o comercio internacional adopta outras caracteristicas. Havia circulaçao e trocas de escravos, produtos de luxo e metais como o ouro. Seculos XV e XIX, as duas mundializaçoes, mais “recentes”. A meu ver a verdaeira falha desta ultima mundializaçao é que a “consciencia planetaria” esta mundializada enquanto que as “forças economicas” nao. A mundializaçao economica nao acompanha a mundializaçao da conciencia planetaria.

Iolanda Aguiar

[1] Destremau, B. les indicateurs de la pauvreté dans les approches de la Banque mondiale et du PNUD : une analyse critique in (Poulin et P ; Salama) , 1992, « l’insoutenable misère du monde »,
[2] Commerce agricole : la libéralisation ne suffirait pas à réduire la pauvreté, Le monde, 9 décembre 2005
[3] HAUBERT, Maxime, 1995, « Les paysans peuvent-ils nourrir le tiers-monde? »Paris Publications de la Sorbonne
[4] Cohen, D., 2004, la mondialisation et ses ennemis, Paris, pluriel
[5]http://dn.sapo.pt/2005/06/20/suplemento_negocios/
agricultura_mocambique_evita_falenci.html

Carlos Serra disse...

Excelente contributo, Iolanda, uma vez mais. Muito obrigado!

Anónimo disse...

Obrigada professor,
Entretanto gostaria de fazer uma chamada de atençao, para o 7° paragrafo, onde escrevi “Ao que parece, é o que se passa agora em Moçambique,” deveria ter escrito: “ Ao que parece é o que se passou recentemente em Moçambique”. Pois a artigo ao qual faço referencia é de Junho de 2005, conforme podeis verficar.
Pelo que, queiram ter a gentileza de me desculpar estimados leitores
Cordialmente
Iolanda Aguiar

Anónimo disse...

A ajuda ao desenvolvimento e a Produçao do espaço social

Le Figaro samedi 24 – dimanche 25 Juin 2006, vem um artigo intitulado « Mozambique:le gâchis de l’aide internationale”, basicamente o artigo diz que as ONG’s inundam o paìs de dons , esses dons concentram-se basicamente em Maputo – Ilha de Prosperidade num paìs mto pobre. Mas à saida da cidade, disse ao Figaro o jornalista Marcello Mosse, pode-se ver o verdadeiro Moçambique. O impacto do desenvolvimento economico é invisivel, contrariamente ao que diz o Governo, Banco Mundial e outras organisaçoes internacionais.
O Estado de Moçambique recebeu dos paises occidentais 11 milhares de dollars em cerca de 10 anos para modernizar as ruas, as instituiçoes , os serviços de saude. Uma politica orientada a 100% para a reduçao da pobreza. E 0% para o desenvolvimento de recursos locais e politicos, a longo termo, de desenvolvimento da agricultura, da qual depende 95% da populaçao depende da agricultura.
Os “fazendeiros brancos” corridos do vizinho Zimbabué em 2000, segundo o mm jornal, foram recebidos de braços abertos , na Australia, no Brasil, no Ouganda, na Nigeria e na Zambia. Cerca de 40 “fazendeiros brancos” instalaram-se em 2001 em Moçambique particularmente , na regiao de Manica e Chimoio estao arruinados, pelos banqueiros e pelas companhias que nao respeitavam os seus engaijamentos. Assim estes “fazendeiros brancos” estao prontos a repartir, segundo M. Catin, ja forma licenciados cerca de 5000 OPERARIOS AGRICOLAS QUE SUTENTAVAM 20 000 PESSOAS NA REGIAO onde os tais “fazendeiros brancos ” se tinham instalado. Nada é feito para desenvolver empregos no unico sector que poderia fornecer emprego a uma populaçao de 80% de analfabetos: a Agricultura.
Entretanto, citando ainda o le figaro, Moçambique para todos os reponsaveis de ONG e para a maior parte dos diplomatas occidentais é um “caso de escola”: “um pais bem gerido em particular ao nivel do Banco central. Les ONG le plus farfelues sont toutes là. Nenhuma criança de rua escapa a estas organizaçoes, nem um doente de sida. Les gouvernements finacent des projets rutilants. ( o artigo é + longo)
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Parafrazeando Halbwachs, quando uma organizaçao intervem num espaço local, ela transforma-o à sua imagem, mas ao mm tempo ela adapta-se às coisas que lhe oferecem resistencia. Ora ao ler o artigo supracitado nao é esta a imagem com que se fica. Este artigo denota-se tres pontos fundamentais:
1) A ajuda ao desenvolvimento enquanto facto social produz espaços sociais
Eu entendo por espaço social um conjunto de praticas, e relaçoes sociais, baseadas em sistemas organizaçao essenciais à produçao e reproduçao de sociedades.O espaço social constroi-se atraves de processus sociais ao longo do tempo.
Exemplo a “Ilha de Maputo” com os engarrafamentos causados pelos seus sumptuosos carros. A saida da cidade ve-se o verdadeiro Moçambique (cito Figaro). Pareceu-me que esta descriçao ilustra o que J. Fumo (neste blog) chamou "zona de contrato social" e a "zona de exclusao social" , esta descriçao pode “fixar a imagem da fotografia” de Mangue ajudando-nos a distinguir com clareza a zona dos casebres ao lado da zona das ricas mansões…...
2) a ajuda ao desenvolvimento cria espacos ideologicos de sonho
“O saber, é tambem um espaço no qual o sujeito pode tomar posiçao para falar dos objetos em relaçao aos quais ele deve ter uma tomada de posiçoa no seu discurso” (Foucault, archeologie du savoir). E o espaço onde a articulaçao do discurso politico e acçao é desejavel, afin de estruturar a elaboraçao de politicas de desenvolvimento de acordo com as necessidades de do pais real (Moçambique) e nao com a ilha de sonho “maningue nice” (Maputo).
Assim repito noutros termos, o que ja tive opurtunidade de dizer neste blog no comentario a Mangue “racionalidade dos Deuses” os sistemas de intervençoa externa, enquanto vectores de mudanças, para passar de um estado julgado desfavoravel para as populaçoes cibles, a um estado suposto designar melhores condiçoes de vida dessas mesmas populaçoes, devem ser negociadas au prealable afim de se encontrar a estratégia adequada. Em minha opiniao dever-se-ia evitar a tomada de posiçoes em funçao da representaçao que os actores de intervençao externa (Banco Mundial , outas org. Int. ONG’s e Estado) fazem da ajuda enquanto tal por um lado, e por outro lado, ajuda real.
A meu ver o reconhecimento do outro é uma necessidade , o que nao pressupoe evidentemente a negaçao de si mesmo, ao contrario o conhecimento do outro depende largamente do conhecimento profundo de si mesmo, este ultimio é um recurso, pois nao se pode conhecer a si proprio negando o outro. So assim, em minha modesta opiniao poder-se-à defenir uma estratégia pré-nacional (abertura, construçao da cultura publica com base na memoria historica (atendendo que a propria naçao esta em construçao) e partilha publica). Enfim defenir uma estratégia enquanto acçao de compreençao de si e reconcialiaçao com a oposiçao do outro na partilha do espaço ideologico de sonho.
3) espaços rurais o “celeiro” esquecido
Os espaços rurais , esses lugares exoticos e longinquos, qual “celeiro” esquecido nas sendas do desenvolvimento. O rural define-se por oposiçao ao urbano. E é de tal maneira oposto que acaba esquecido o papel que a agricultura pode ter no desenvolvimento para la de todos os dicursos nacionalistas, intelectuais, politicos, etç (utilizando uma linguagem simples “toda essa gentinha precisa de comer”) . Do ponto de vista da organizaçao da produçao, uma das caracteristicas essenciais da agricultura camponesa é a simbiose entre a exploraçao agricola e a familia, enquanto unidade de produçao: as relaçoes socias sao fundadas sobre as relaçoes familiares por um lado e por outro lado a “racionalidade” da exploraçao agricola é dirigida para a reproduçao da unidade familiar e nao para a maximizaçao do lucro ou do bem publico. Por outro lado a agricultura empresarial pode ser fonte de emprego ( exemplo Figaro: 5000 operarios agricolas desempregados 20 000 pessoas perdem “o pao para a sua boca”). O aumento da produçao local (Moçambique ) a preços competitivos fara seguramente diminuir a “importaçao de frutos de Africa dos sul” (le Figaro) . A agricultura fixando as pessoas à terra podra evitar as migraçoes e consequentemente os dumba n’dengues proliferem como cogumelos, e a diminuiçao dos subusrbios. A Articulaçao entre os possiveis modelos de agricultura ao lado das construçoes de estradas e outras infrastruturas pode contribuir à reduçoa da pobreza.

Iolanda Aguiar