04 maio 2006

Identidade

Existem duas formas de conceber a identidade: a primordialista, que vê a identidade com um conjunto atributivo objectivo, natural, essencial, a-histórico (língua, cultura, religião, etc.); e a relacional-estratégica, que vê a identidade como um processo negocial em permanente construção e reconstrução nas trocas simbólicas sociais.
Tenho para mim que a segunda concepção é a mais adequada.
Todos os processos identitários são consubstanciais aos processos alteritários. Na verdade, nós afirmamo-nos incluindo os «nossos» (auto ou endo-identidade) e excluindo os «outros» (exo ou hetero-identidade) pelas fronteiras simbólicas.
Mas a alteridade não é apenas categorizada e nomeada por nós, mas, também, pelos outros. Por exemplo, se aqui nos afirmamos, enquanto grupo, como BaRonga, em Beira chamam-nos Mabazaruto e, em Chimoio, Manhambane.
Quando num processo negocial existe défice de reconhecimento em relação a um determinado grupo ou a determinados grupos, estamos confrontados com um exercício de desqualificação. Um grupo auto-qualifica-se, hiperinveste-se de excelência desqualificando e desinvestindo outro ou outros. É o que se passa, por exemplo, nos Estados Unidos, com o WASP( White Anglo-Saxon Protestant), que qualifica os outros grupos sociais ora como étnicos (descendentes de imigrantes europeus), ora como raciais (os de «cor»: Negros, Chineses, Japoneses, Porto-Riquenhos, Mexicanos, etc.). Este «poder» classificatório não é abstracto, mas profundamente constitutivo e reflector das relações sociais assimétricas americanas.
Nas estratégias identitárias, nas relações classificatórias de poder, um grupo desqualificado pode, por exemplo, tentar transferir-se identitáriamente para o grupo dominante (temos, então, uma espécie de fagocitose à rebours), movimentar-se numa rede de identidades múltiplas (identidade rizomática) ou transformar a negatividade em positividade combativa. Por exemplo, os trabalhadores de Inhambane encarregados desde os anos 40 da limpeza da cidade de Maputo procuraram muitas vezes ou ronganizar-se ou tsonganizar-se; trabalhadores moçambicanos na África do Sul são um exemplo de multiplicidade identitária; os Black Muslims americanos são um exemplo de positividade identitária.
Nos dois primeiros casos temos a «aceitação» das relações de dominação «cultural» supostamente vigentes e no terceiro, uma sua impugnação.
Finalmente, as ferramentas analíticas acima propostas parecem-me adequadas para o tratamento de outras instâncias da categorização identitária (por exemplo: laborais, religiosas, políticas, etc.).

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