É nas cidades do país onde os actores estão num vaivém incessante e contraditório entre o mundo de fora e o mundo de dentro: os meios de comunicação e o cosmopolitismo urbano tornam-nos cidadãos do planeta e dos seus heróis, mas a procura de pontos de referência e as dificuldades de sobrevivência social fá-los reciclar e reinterpretar a região de origem, recriar a solidariedade étnica (o "somos todos primos" dos dumba nengues, por exemplo), leva-os a dar nova cor aos heróis epónimos. Estão cada vez mais na economia-mundo sem poderem abandonar a economia local e vice-versa: é este o seu duplo constrangimento. Quanto mais dificuldades sociais no mundo de fora, mais estreitos os laços e as fronteiras do mundo de dentro. Se por um lado não existem já verdadeiramente nem tradição nem modernidade, por outro vai-se àquela para modernizar esta e a esta para tradicionalizar aquela consoante os momentos, os processos e as cristas das tensões sociais. O presente é encarado com os olhos do passado, o passado com os olhos do presente. Oscila-se, como um pêndulo, à procura da vertigem do futuro ao mesmo tempo que se faz marcha-atrás à busca das âncoras de todos os dias, subvertem-se hábitos, acomodam-se subversões. Este é, afinal, um mundo misto, polissémico, do entre-dois, transfronteiriço, lábil, onde em lugar de estados há transições, onde não se é nunca mas se está a ser constantemente. Na verdade, um mundo anfibológico.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário