Sociedade civil é ao mesmo tempo uma expressão ambígua e a todo-o-terreno: ambígua porque sem consistência analítica, a todo-o-terreno porque suposto tê-la. Tudo e nada, afinal, nela podem caber.
Por outro, guarda um profundo sentido normativo, pois constrói-se eticamente por oposição ao Estado-Leviatão.
Ela possui uma história que remonta talvez a Hobbes e passa por Rousseau, Tocqueville, Hegel, Marx e Gramsci. Mas não vamos fazê-la agora aqui.
Interessa-nos dizer que neste fim de milénio, sociedade civil tem o sentido de um conjunto de actores e de instituições vivendo à margem de um Estado[1] definido como privador por uns (sectores neo-liberais) e como pouco redistribuidor por outros (sectores populares).
Como alguém defendeu, é uma noção “anti” por excelência, é veículo de uma reacção[2].
Em Moçambique, a expressão teve primeiro o significado de algo oposto aos actores da guerra logo após os acordos de Roma de 1992 e possui hoje a dimensão corrente de algo fora ou oposto ao Estado.
Mas mais do que definir sociedade civil, o nosso propósito é apenas o de propor vê-la como um “lugar” de lutas sociais[3], onde se conjugam inclusão e exclusão sociais, luta pela hegemonia política e resistência, confrontação de formas de etiquetagem e de representação sociais, localidade e globalidade, passado e futuro, miséria e opulência.
Ao lado da visão de uma sociedade civil “privada” em confronto com o Estado, existe hoje, cada vez mais, uma reavaliação e, de alguma maneira, uma reapropriação popular do conceito, a cargo de todos aqueles que se sentem excluídos dos benefícios da chamada globalização e que por isso e contra isso lutam. Daí que haja hoje quem os enquadre na “sociedade civil popular”[4].
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[1] Repare-se, por exemplo, neste definição: “No nosso estudo consideramos sociedade civil como “parte de uma sociedade situada à margem do governo e do funcionamento das instituições estatais e que não tem por fim actos comerciais” – in COMPETE, Consultoria e Formação, Estudo sobre o apoio à sociedade civil no Niassa, Governo de Moçambique/Asdi, Suécia. Maputo, Agosto de 1998, p.4.
[2] Chabal, Patrick et Daloz, Jean-Pascal, L’Afrique est partie! Du désordre comme instrument politique. Paris: Economica, 1999, p.30.
[3] “Société civile: enjeu des luttes sociales pour l’hégémonie”, in Alternatives Sud, Société civile: lieu des luttes sociales, Cahiers Trimestriels, vol.V (1998), 1, pp.5-19. A escolha deste ângulo de visão dependeu também muito do nosso diálogo com o sociólogo belga François Houtart.
[5] La société civile en Amérique Latine: l’apport de l’expérience colombienne, in Alternatives Sud..., op.cit., pp.145-172.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
1 comentário:
Sociedade civil é mesmo um saco de batatas: toda a gente lá cabe. No outro dia perguntei a um amigo se quando o governante estava na barraca ela estava no Estado ou na sociedade civil. Resposta do meu amigo: está na barraca da sociedade civil e o Estado é o guarda-costas.
Jonas
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