“Nenhuma sociedade progrediu sem fazer a sua própria crítica, sem que os
seus pensadores e os seus criadores se metessem contra a corrente dos
bem-pensantes.” - Henri Lopès1
O nosso país é rico de trabalhos fortemente impregnados
de eticidade, de moral, de casuística. O que passa por análise em público –
estudem os nossos jornais, por exemplo - é, não raramente, mesmo a nível científico, um
exercício de moral, uma apologia do que “deve ser”, uma predicação para consumo
colectivo imediato. Por outras palavras, tendemos muitas vezes a substituir a
investigação paciente pela moral e pela predicação pronta-a-vestir. Por outro lado, tal como dizia a Musky de Os Lobos de Kohm da série O vagabundo dos Limbos de Christian
Godard e Julio Ribera, “podemos viver com perguntas...mas nem sempre podemos
viver com as respostas...” Decididamente, o mais difícil não é perguntar, mas responder. Afastar o espesso monte de ideias, de clichés e de convicções
prontas-a-vestir do dia-a-dia, ir à cavidade dos fenómenos, enfrentá-los de
frente, levando o imediato do deve ser
a ceder o lugar ao construído do é e
do está a ser, não é tarefa fácil. “O pensamento científico
contemporâneo começa (...) por colocar entre parêntesis a realidade” – escreveu um dia o filósofo Gaston Bachelard2. Acho que essa é uma excelente maneira
de introduzir a ida à cavidade das coisas. O mundo está
cheio de predicadores da ciência: chegou a altura de a aplicar.
1 Lopès, Henri, Mes trois
identités, in Kandé, Sylvie (dir), Discours sur le métissage, identités
métisses, En quête d´Ariel. Paris: L´Harmattan, 1999, pp. 141-142.
2 Bachelard, Gaston, A filosofia do não, Filosofia do novo
espírito científico. Lisboa: Editorial Presença, 1991, p. 32.
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