24 julho 2014

A propósito dos 95%

Com o título "Governo e Renamo preparam acordo final para segunda-feira", no "O País" digital: "Depois de 65 rondas caracterizadas por avanços e recuos, divergências e intransigências, o Governo e a Renamo dizem ter chegado a consensos em 95% das questões em diálogo. [...] A suspensão dos ataques na zona Centro e o certificado de registo criminal de Afonso Dhlakama são indicadores de que as partes já tinham chegado a entendimento sobre os princi­pais pontos de discussão." Aqui.
Comentário: sem dúvida que é interessante, que é singular esta tentativa de rigor percentual. Não são 93 ou 91, mas 95%, exactamente 95%. Mas talvez esse não seja o ponto mais interessante. O ponto mais interessante talvez seja o de se estar eventualmente muito próximo de um acordo político pré-eleitoral, quer dizer, um acordo a nascer não da força dos votos, mas da força das armas, um acordo oriundo do ajuste castrense no terreno, um acordo cujo cerne é a redistribuição de recursos de poder e prestígio especialmente ao nível das forças de defesa e segurança. Mais: um acordo que parece dispensar os resultados das eleições presidenciais e legislativas marcadas para Outubro, ganhe quem ganhar. Mais profundamente ainda: podemos tornar-nos um país politicamente bipartidário que executa estatalmente eleições multipartidárias, ali praticando o real, aqui teatralizando o formal. As AKM talvez sejam, afinal, mais decisivas do que os votos, mesmo calando-se: uma perspectiva sombria, sem dúvida, mas que guarda o cordão umbilical da história, em seus actos físicos e simbólicos. E, mais decisivo ainda, não consta que haja senões nos registos criminais dos actores fundamentais da história política contemporânea do país.

1 comentário:

nachingweya disse...

A historia não julga os vencedores.Nem os reais nem os formais.( O sangue vertido por uma causa que vence é uma especie de éter elevador)
Emergindo de um cenario monopartidário sombrio, o povo prefere um presente bipartidário que ao menos lhe deixe sonhar com uma possibilidade tripartidária pela janela autárquica.
PS1: Penso e já o disse antes: o voto analfabeto não propicia o exercicio de uma real democracia. Para um eleitor ser "accountable" i.e., auditável, precisa ter concluido a 5ª classe com os conhecimentos exigiveis nesse nível.(Já a massa de que se faz o Cidadao- entendido como a intersecção de deveres e direitos do ente social- deve ter pelo menos a 10ª classe ou o equivalente em conhecimentos)
Esta divisão à mesa dos recursos do poder pode encerrar em si o reconhecimento oficial de que efectivamente os actos eleitorais têm sido a teatralização da democracia, que as fraudes têm sido um facto e os intervenientes sabem todos que é assim.
PS2: A Italia tem nos ajudado muito quando estamos carentes.