13 abril 2008

Ângulos de visão

Neste texto breve, o Zimbábuè é o motivo. Mas outros países-motivos poderiam ser escolhidos.
Como é que, regra geral, a situação política no Zimbábuè tem sido analisada? Creio que podemos considerar três grandes paradigmas (digamos assim):
1. O paradigma personalizante: aqui, a análise debruça-se, por vezes exaustivamente, sobre as pessoas enquanto tais, sobre as suas personalidades, as suas formas de ser, os seus comportamentos, a sua psicologia, as suas supostas taras. A este nível, o presidente Mugabe é uma personagem incontornável mesmo ao nível dos cartoons políticos: a sua idade, a sua "ânsia pelo poder", o seu bigode muito parecido com o de Hitler, a sua tirania cesarista (os lados negativos); a sua condição de lutador, de herói, de pessoa vertical, de defensor dos camponeses, de opositor aos ditames das grandes potências ocidentais, de resistente à hipocrisia de Tony Blair e de Gordon Brown da Inglaterra (os lados positivos).
2. O paradigma das potências: aqui, a análise debruça-se sobre a geo-estratégia política, sobre a conflitualidade inter-potências, sobre os interesses das grandes potências, sobre as abnegadas resistências locais. No caso vertente, o Zimbábué surge como o ponto focal de resistência aos interesses ocidentais, designadamente da Inglaterra e dos Estados Unidos, como o ícone de uma neo e rica resistência ao sempre velho colonialismo europeu.
3. O paradigma do afrocentrismo: aqui, derivada do paradigma anterior, a análise debruça-se, declaradamente ou não, sobre a realidade dos países africanos, a tónica é afrocentrista, assenta nos problemas que o continente enfrenta devido à intrusão dos ex-colonizadores, sobre a sua política financeira, sobre a memória que permanece dos efeitos corrosivos do colonialismo (por exemplo ao nível dos farmeiros brancos), sobre a necessidade de sermos africanos por completo, de termos brio nisso, de conjugarmos afro-esforços. Também aqui o Zimbábuè aparece como uma vítima do exterior malévolo, frequentemente racista, ontem e hoje.
Ora, bem mais difícil é - sem esquecer os três paradigmas - analisar o Zimbábuè em termos bem mais sociais, em termos de grupos, de classes, de fracções de classe, de estatutos, de recursos de poder, de aspirações grupais, de interesses em jogo, de conflitos internos, regionais e internacionais. A este propósito, duas obras continuam hoje ainda, em meu entender, entre outras (que não são muitas), a ser ricas de instrumentos analíticos: Os condenados da terra de Frantz Fanon e Gana: fim de uma ilusão, de Bob Fitch e Mary Oppenheimer.
Se um quadro analítico com um mais forte coeficiente de social, assente nos termos atrás propostos, fosse adoptado, talvez verificássemos que o que se passa no Zimbábuè é, afinal, banal, perfeita e politicamente normal nas suas lógicas sociais, na sua conflitualidade, nos múltiplos e tenazes interesses de grupos sociais hegemónicos que têem no Estado a alavanca produtora e reprodutora, nos discursos dos intelectuais pró e contra, que tudo é bem mais do que o produto da tirania de um homem, no caso vertente de Robert Mugabe. Que tudo é, a um tempo, afinal, bem mais complexo e simples.
Adenda às 22:43: graças à sugestão do Paulo (confira o seu comentário a esta postagem), fui directo a um portal cuja leitura vos recomendo e do qual extraí a imagem que aparece no topo à esquerda. Se quer ler em português, use este tradutor.

4 comentários:

(Paulo Granjo) disse...

Curiosamente, o "The Zimbabwean" desta semana avança pelo caminho das lógicas grupais, que poderíamos mesmo considerar de classe.
Centra-se numa facção específica da nomenklatura, as altas patentes militares, que apresenta (em sintonia com um link que aqui colocou há uns tempos) como riquíssima, corrupta e a principal força que se opõe ao abandono do poder.
Vai mais longe, e por isso é que corri a comprar o jornal, julgando pelo título ("Military junta takes over") que tinha havido um golpe de estado.
Diz o jornal que desde dia 30 o poder de facto é ocupado colegialmente por Mugabe e pelo Estado-Maior (Joint Operations Command), que terá assumido paret dos poderes presidenciais com base em artigos constitucionais, mas sem a declaração de estado de emergência que o justificaria.
Seriam esses generais do JOC que estariam a controlar e pressionar a comissão de eleições e os tribunais - podendo até questionar-nos se não teria partido deles a estranha ausência de Mugabe na reunião de emergência da UA. Entretanto, essa situação teria recebido o acordo do politburo da ZANU(PF) na semana passada.

A coisa faz todo o sentido mas, como ainda não a vi referida noutras fontes, pergunto: já alguém viu esta informação noutros lados?

Carlos Serra disse...

Muito obrigado pela informação, vou tb estudar o tema do "The Zimbabwean".

Sir Baba Sharubu disse...

The comment by Paulo Granjo is very thoughtful indeed. I tend to agree with him.

It is possible that Robert Mugabe is now a "prisoner" of the military triumvirate: General Constantine Chiwenga, National Police Commissioner Augustine Chihuri and Air Marshal Perence Shiri.

Sir Baba Sharubu disse...

I do not wish to be facetious.
But, I would like to add one more name to the list of the top Zimbabwe's rainmakers: Jocelyn Chiwenga, the wife of General Chiwenga.