Um dia, um estudante meu não entregou no prazo previsto um trabalho marcado com três meses de antecedência. Interrogado sobre as razões, disse-me que um mau espírito o perturbava havia muito, provocando-lhe espasmos peitorais dolorosos.
Digam-me uma coisa: se fôsseis professores, como teríeis procedido?
21 comentários:
Eu aplicava-lhe, simplesmente, as regras vigentes: se não apresentasse atestado médico, atribuia-lhe "Zero". Volto à questão habitual: quem quer seguir as tradições tem que viver no meio em que elas são válidas (ou melhor, o meio que as criou). Ou melhor, ainda: na cidade (e na universidade) sigam-se as tradições da cidade. Afinal, o respeito pelas tradições não pode aplicar-se só às vezes. Ou se aplica sempre, ou não se aplica sempre. E quer gostemos, quer não, a matéria de espíritos, na tradição das cidades (e da Universidade)enquadra-se na categoria da Esquizofrenia e, como tal tem que ser tratada. Insisto: o desenvolvimento, esse, é uma seta com uma única direcção: não se pode obter um diploma universitário vivendo ao ritmo rural - a Universidade, para poder penetrar-nos, arranca-nos, necessariamente, rural; são incompatíveis. Não de pode ser ambas as coisas. É preciso (como em tudo mais na vida, aliás, fazer uma escolha. De resto, quem tudo quer, tudo perde.
E, voltando ao aluno, em função da forma como eu interpretasse a sua atitude, aplicava-lhe medidas disciplinares por falta de respeito ou orientava-o para apoio psicológico. Mesmo que fosse para algum feiticeiro, se assim lhe aprouvesse. Mas não aceitava o trabalho. A não ser... que o trabalho dele tivesse sido sobre espiritismo e isso pudesse ser conseuqência da pesquisa...
L.S.Kudjeka
Achei engraçado este exercício...
Deixei a profissão à uns anos, mas estou a tentar lembrar-me de como teria agido nessa altura.
Ah! claro ter-lhe-ia dado outra oportunidade!Porque não? Não é papel do professor ajudar os seus alunos a cres(SER)?
Mas depois de um bom copo de água e de uns anti-espasmódicos...que tal uma sessão de exorcização de espíritos? Talvez fosse deveras interessante uma sessão destas em plena classe.Quem sabe, não nasceria nesse momento um bom assunto para um debate com todos os que devem fazer parte da família escola( pais,colegas,colaboradores..)
Oh professor, diga-me lá...não terá sido muito exigente no seu pedido? Três meses só?????? Sabe às vezes é bom capinar sentado...
Semear para colher! Vamos a trabalhar malandros!
Professor,
esta questão é bastante complicada, mas, porque tinha que tomar decisões em tão pouco tempo, faria o seguinte:
Primeiro, perguntava-lhe se está doente. Depois perguntava-lhe se acreditava no que dizia. Terceiro perguntava-lhe o porquê de há tês meses não ter-me informado da doença que padecia. Sim, é que se aparece apenas três meses depois sem que antes tenha-me alertado, esse estudante não tem razão. Se por um lado é de se lhe reconhecer a doença, por outro é igualmente de se lhe reconhecer a irresponsabilidade. Tinha ele que dar notícias do seu estado de saúde, actualizando o Professor sempre, por forma a que ainda cedo, se encontrassem formas alternativas.Para mim, e acho que o Professor também aceitaria, numa situação em que o estudante não é capaz de escrever ou está sempre incomodado pelos espíritos, de certeza que encontraria outra forma de avaliá-lo, seja mandando-o estudar para um teste oral, ou outra.
Portanto, o estudante arcaria um zero por irresponsabilidade ou negligência e não necessáriamente por não acreditar na sua doença, que pode ser séria.Este é outro assunto: Acho poder ser uma forma airosa de esquivar-se do ''fogo tradicional-moderno''.
Caro Kudjeka, assim intuitivamente, estava a ser tentado a concordar consigo. No entanto, quando fui reflectir apercebi-me dum aspecto muito importante: Eu, como graduado universitário, devia abandonar a saborosa tradição africana de ter várias esposas?
Pode ser certo, caro Kudjeka, mas é duro...
Obed L. Khan
às tradições quando com elas saímos a ganhar...aos nossos saberes universitários idem...
Para mim um dilema...
Um doloroso dilema simplificado pela capacidade de argumentar...
Fiquei curioso! Como reagiu? :(
Então professor não nos vai contar qual a atitude que tomou?
MC
Vou vou...Só que aguardo mais contribuições, ricas como as que estão já aqui.
Dê-lhe um novo prazo, tadinho! :)
Eu sei como o prof.reagiu. Com um sorriso e preocupacao.
Mas no meu lugar, infelizmente nao teria outra solucao se nao aplicar as regras pre-estabelecidas que creio eu nao preveem casos desta natureza por variadissimas razoes que talvez noa importe enumerar.
Imagine-mos, to conduzindo a 180 km/hr numa estrada de 80. O transito me apanha... alego que foram os espiritos que me induziram a tal velocidade. Roubo ao meu patrao, e alego maus espiritos. Falto as minhas obrigacoes e culpo os espiritos. Quer dizer, tenho uma justificacao para as minhas accoes que na realidade nao sao minhas. Sao dos espiritos que se assombraram de mim. Entao prof. se lhe dar um zero, pode crer que tara dando zero no espirito mau.
Se o estudante se acha incapacitado de cumprir com as normas academicas, entao pode suspender a frequencia e o prof. humanamente ajude-o a procurar solucao para o seu problema...nem que pra isso lhe deia a publicidade dos curandeiros que nos mostrou aqui no blogue.
Abracos,
PP
Com que então o Professor sorriu...
Eis, então, como procedi:
1. Cerca de meia-hora a tentar perceber uma racionalidade que não é minha. Percebida e aceite. Tentei proceder como o etnopsiquiatra francês Tobie Nathan (leiam-no). Eventualmente não me saí muito mal.
2. O estudante tem o trabalho em computador. Aceita apresentá-lo dentro de dois dias.
3. Acordo prévio sobre uma deligência a fazer. Deligência feita: telefonema para um psicólogo, que recebe o estudante e o encaminha ou não para um médico (face aos sintomas apresentados).
Podem agora comentar?
Interessante...Prático...simples...
"Deligência por fazer" inclusa...
Tá difícil de compreender...3 meses em que é assaltado por dores fortes no peito por causa de um mau espírito e depois em 2 dias, apresenta o trabalho, que estava no computador?
Il ya des raisons que la rasion de connait pas, vrai?
Devo concordar com o Egídio Vaz, uma vez tratando se de uma situaçao em que a decisao tinha que ser tomada no momento, a opçao mais "equilibrada" e adequada ao momento me parece aquela que o Vaz apresenta, contudo devo alertar que esta é uma questao complexa e nao pode nem deve ser encarada como um simples jogo de regras pré estabelecidas em que de um lado dizemos que o comportamento do indivíduo no meio rural é "x" e no meio urbano é "z", logo, o somatório delas é uma falácia visto que o seu produto seria a incompatibilidade. Nao nos esqueçamos que todos nós viemos do "x" e que muitas vezes a fronteira entre o "x" e o "z" é apenas uma linhas que atravessa o nosso imaginário.
Reflitamos
Valerito P
Algumas vezes tenho estado a pensar sobre a fronteira entre o tradicional "X" e o urbano "Z", como equacionou o nosso amigo Valerito P e algumas questões me tem surgido:
1. a fronteira entre o "x" e o "z" é ténue;
2. somos submetidos a tratamentos tradicionais (bons ou maus), enquanto crianças (bebés), sem nenhuma opção;
3. e esses tratamentos ficam impregnados no nosso corpo e crescemos com eles;
4. eles vem sendo passadas de geração em geração;
5. e em algumas vezes se manifestam...
A questão é: será que fazendo parte do mundo "z" podemos, automaticamente, nos desembaraçar daquelas raízes?
Sem querer fazer juízo de valor sobre as alegações do estudante, elas podem ser verdadeiras ou não, os aspectos espirituais elas existem, independentemente de pertencer a classe "x" ou "z".
Com efeito, não podemos tratar o assunto levianamente.
Therere
Cerca de 98% das minhas turmas são formadas por estudantes "blindados", quer dizer, protegidos desde pequenos contra a acçao dos maus espíritos.
O estudante faltou à consulta com um psicólogo, que, por sua vez, cancelou outras consultas para o atender. E agora, meus amigos?
E agora? ainda não tinha percebido que era tudo conversa fiada? Que se houvesse algo de verdade sobre o esprírito causador de dores, ele teria faldo consigo antes de findados os 3 meses?
Com a mesma ironia de Saraiva de Sousa: dê-lhe um novo prazo tadinho..
Não esqueça é de todos os outros alunos que cumpriram prazos...
Dr. Serra,
Quantos mais comentários/opiniões precisa receber, para partilhar com os seus leitores o que pensa fazer?
Terei de re-ouvir o estudante sobre a não comparência na consulta. O trabalho foi entregue. Depois decidirei. Abraço a todos e muito obrigado!
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