Através da colega Tereza Cruz e Silva, do Centro de Estudos Africanos, recebi por email uma nota de repúdio enviada pelo sociólogo Álvaro Pereira, do Núcleo de Ecologia Social/DED/LNEC (Avª. do Brasil, 101 ; 1700-066 LISBOA PORTUGAL, Telef.: + 351 218 443 588, email: apereira@lnec.pt)
"Nota de Repúdio
Estudos sobre a "base biológica para a violência em menores infratores": novas máscaras para velhas práticas de extermínio e exclusão.
É com tristeza e preocupação que recebemos a notícia de que Universidades de grande visibilidade na vida acadêmica brasileira estão destinando recursos e investimentos para velhas práticas de exclusão e de extermínio. A notícia de que a PUC-RS e a UFRGS vão realizar estudos e mapeamentos de ressonância magnética no cérebro de 50 adolescentes infratores para analisar aspectos neurológicos que seriam causadores de suas práticas de infração nos remete às mais arcaicas e retrógradas práticas eugenistas do início do século XX.
Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos, é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como "inimigo interno" seja como "perigo biológico", desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na aprovação da legislação em vigor - o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pensar o fenômeno da violência no Brasil de hoje é construir um pensamento complexo, que leve em consideração as Redes que são cada vez mais fragmentadas, o medo do futuro cada vez mais concreto e a ausência de instituições que de fato construam alianças com as populações mais excluídas. É falar da corrupção que produz morte e isolamento e da precariedade das políticas públicas, sejam elas as políticas sociais básicas como educação e saúde, sejam elas as medidas sócio-educativas ou de proteção especial.
Enquanto a Universidade se colocar como um ente externo que apenas fragmenta, analisa e estuda este real, sem entender e analisar suas reais implicações na produção desta realidade, a porta continuará aberta para a disseminação de práticas excludentes, de realidades genocidas, de estudos que mantêm as coisas como estão.
Violência não é apenas o cometimento do ato infracional do adolescente, mas também todas aquelas ações que disseminam perspectivas e práticas que reforçam a exclusão, o medo, a morte.
Triste universidade esta que ainda se mobiliza para este tipo de estudo, esquecendo-se que a Proteção Integral que embasa o ECA compreende a criança e o adolescente não apenas como "sujeito de direitos" mas também como "pessoa em desenvolvimento" - o que por si já é suficiente para não engessar o adolescente em uma identidade qualquer, seja ela de "violento" ou "incorrigível".
A universidade brasileira pode desejar um outro futuro: o de estar à altura de nossas crianças e adolescentes."
Estudos sobre a "base biológica para a violência em menores infratores": novas máscaras para velhas práticas de extermínio e exclusão.
É com tristeza e preocupação que recebemos a notícia de que Universidades de grande visibilidade na vida acadêmica brasileira estão destinando recursos e investimentos para velhas práticas de exclusão e de extermínio. A notícia de que a PUC-RS e a UFRGS vão realizar estudos e mapeamentos de ressonância magnética no cérebro de 50 adolescentes infratores para analisar aspectos neurológicos que seriam causadores de suas práticas de infração nos remete às mais arcaicas e retrógradas práticas eugenistas do início do século XX.
Privilegiar aspectos biológicos para a compreensão dos atos infracionais dos adolescentes em detrimento de análises que levem em conta os jogos de poder-saber que se constituem na complexa realidade brasileira e que provocam tais fenômenos, é ratificar sob o agasalho da ciência que os adolescentes são o princípio, o meio e o fim do problema, identificando-os seja como "inimigo interno" seja como "perigo biológico", desconhecendo toda a luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes, que culminou na aprovação da legislação em vigor - o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Pensar o fenômeno da violência no Brasil de hoje é construir um pensamento complexo, que leve em consideração as Redes que são cada vez mais fragmentadas, o medo do futuro cada vez mais concreto e a ausência de instituições que de fato construam alianças com as populações mais excluídas. É falar da corrupção que produz morte e isolamento e da precariedade das políticas públicas, sejam elas as políticas sociais básicas como educação e saúde, sejam elas as medidas sócio-educativas ou de proteção especial.
Enquanto a Universidade se colocar como um ente externo que apenas fragmenta, analisa e estuda este real, sem entender e analisar suas reais implicações na produção desta realidade, a porta continuará aberta para a disseminação de práticas excludentes, de realidades genocidas, de estudos que mantêm as coisas como estão.
Violência não é apenas o cometimento do ato infracional do adolescente, mas também todas aquelas ações que disseminam perspectivas e práticas que reforçam a exclusão, o medo, a morte.
Triste universidade esta que ainda se mobiliza para este tipo de estudo, esquecendo-se que a Proteção Integral que embasa o ECA compreende a criança e o adolescente não apenas como "sujeito de direitos" mas também como "pessoa em desenvolvimento" - o que por si já é suficiente para não engessar o adolescente em uma identidade qualquer, seja ela de "violento" ou "incorrigível".
A universidade brasileira pode desejar um outro futuro: o de estar à altura de nossas crianças e adolescentes."
Pedido: podem os leitores brasileiros comentar?
Entretanto, recordo o conteúdo de uma postagem por mim colocada há tempos neste diário, a saber:
"Em 2006, então ministro do Interior, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, trabalhando numa lei destinada a prevenir a delinquência, pediu o levantamento do segredo médico e a generalização da despitagem nas crianças de 36 meses para análise dos seguintes comportamentos: indocilidade, baixo índice de moralidade, hetero-agressividade e fraco controlo emocional. Como se houvesse uma predisposição genética para a delinquência. Gerou-se um enorme protesto.
Acrescente-se que Sarkozy tem insistido no determinismo hereditário da homossexualidade e da pedofilia.
A tónica cerrada colocada no naturalismo e na biologia, com o eclipse do social, deixa, naturalmente, muito com que pensar. Em França o debate ainda é forte a esse respeito. Aqui, entre nós, certas teses sobre a homossexualidade parecem tomar um rumo similar.
Ora, só em casos muito raros, nas doenças chamadas monogenéticas, é que se poderia falar em determinação genética.
Acrescente-se que Sarkozy tem insistido no determinismo hereditário da homossexualidade e da pedofilia.
A tónica cerrada colocada no naturalismo e na biologia, com o eclipse do social, deixa, naturalmente, muito com que pensar. Em França o debate ainda é forte a esse respeito. Aqui, entre nós, certas teses sobre a homossexualidade parecem tomar um rumo similar.
Ora, só em casos muito raros, nas doenças chamadas monogenéticas, é que se poderia falar em determinação genética.
Para uma análise e para um desmentido científico das teses de Sarkozy, leia Philosophie Magazine (10), Juin 2007, pp. 27-31."
7 comentários:
Bom Dia
Mas de facto os factores biológicos são fundamentais e é essa a via a seguir. O preconceito antibiologia deve ser objecto de estudo. :)
Olá! Só há momentos me dei conta de que não tinha colocado como referência bibliográfica fundamental, do Philosophie Magazine (10), Juin 2007, pp. 27-31 (o que já fiz na postagem), que comprei justamente em Paris e nesse mês. Li isso atentamente e nada lá confirma o peso do genético da nossa vida. Estive especialmente atento às declarações de André Langaney (diretor do laboratório de antropologia genética do Museu do Homem de Paris). Da mesma forma podemos falar de um preconceito genético... Abraço.
Caro Carlos Serra
>
> Reenvio a "nota de repúdio" que me chegou através de colegas
> brasileiros para dar o "seu a seu dono" e reencaminharei a sua
> indignação. Claro que estou solidário com a nota de repúdio, mas
> talvez fosse interessante não fugir ao repto lançado pelo colega que
> anuncia a necessidade de lutar contra o "preconceito anti-biologia".
> Estou particularmente à vontade porque tive um razoável convívio com
> um etólogo, também psicólogo, antropólogo e talvez um pouco de tudo.
> Percebi que apesar dos aproveitamentos políticos e filosóficos a
> etologia tem tanta ideologia como as outras disciplinas e tal como
> as outras disciplinas tem virtualidades e, claro, limites.
> Discutamos portanto sem preconceitos.
>
> Saudações
>
> Álvaro Pereira
Obrigado pelo comentário, Álvaro. Aguardo que me contrariem, vamos a ver tb se aparece algum comentário do Brasil...Abraço!
A sua perspectiva não é a mais correcta: a genética pode ajudar a prevenir a violência, que, nesse caso que relata, se torna mais preocupante na adolescência, devido ao 4º pico de testosterona. Acabei de editar post sobre a agressão, bem como outros relacionados, nomeadamente a depressão. Os dados biológicos são seguros. Apresentei alguns estudos, mas poderia referir centenas deles, todos realizados para compreender esses fenómenos e ajudar a combatê-los. Aliás, muitos medicamentos tomados diariamente pelas pessoas pressupõem esses dados.
Pode dizer que os factores sociais têm um papel a desempenhar. Sem dúvida: os estudos moleculares de de neuro-imagens mostram isso. Por exemplo, um indivíduo do sexo masculino com deficiência de MAOA torna-se violento, sobretudo se não tiver apoio social e sentir-se excluído. Etc...
Abraço portuense
Quanto a André Langaney, ele é francês e isso diz tudo: trauma pseudo-revolucionário! A França está em crise e incapaz de acompanhar o desenvolvimento científico. É isso que pensamos dos franceses de hoje! :)
Obrigado! Abraço!
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