O que se segue não é a letra de uma canção de Azagaia ou do país da marrabenta da banda Gprofam, não é um texto de Custódio Duma ou de Noé Nhantumbo, tudo coisa e gente nossas, mas um trabalho escrito em Dezembro de 2001 por Fernando Bessa Ribeiro, professor universitário português: "Observando, deste lado do Índico, o desenvolvimento do muito gasto e universalizado programa de "reajustamento estrutural", tudo se torna transparente. Tal como no passado, na época dos impérios coloniais, a periferia continua sujeita ao domínio e aos interesses dos que hegemonizam o sistema mundial. Neste contexto, perante o descalabro africano e décadas de sucessivos falhanços nas políticas de desenvolvimento, Moçambique é utilizado como tábua de salvação, um exemplo da boa transição a mostrar ao mundo por aqueles que ditam as regras que o conduzem. A situação no terreno é, e eles sabem-no, bem diferente. A vida do bom aluno continua miserável e, sobretudo, crescentemente dependente da ajuda externa. Apresentando-se as coisas deste modo, ganha sentido a convocação saudosa do tempo de Samora Machel feita pelos mais pobres e pelos que, não o sendo, conservam a decência, essa qualidade humana ausente e esquecida nestas paragens. Nesse tempo, hoje diabolizado pelo pensamento único e enjeitado pelos arautos locais do neoliberalismo, a dignidade não era uma palavra vã. Nesse tempo, de pesadas dificuldades e grandes carências, o pouco que existia era partilhado com razoável equidade. Nesse tempo, do carapau transformado em prato único de todas as refeições, o roubo e a corrupção eram combatidos com energia e, sobretudo, com boa-fé. Hoje, decorridos quinze anos do desaparecimento trágico de Samora e quase dez do fim da guerra de desestabilização, nas cidades e nos campos, viver é cada vez mais um exercício de vida ou de morte, embora não seja menos certo que uma pequena minoria tenha prosperado a uma velocidade estonteante."
Agora deixem-me colocar as seguintes perguntas:
1. Acham que o conteúdo é válido? Se sim, por quê?
2. Se não, por que razão não é? Não é válido por que a situação mudou de 2001 para 2007? E se a situação mudou, mudou em que sentido e em que níveis?
3. O que distingue Bessa de Azagaia, Gprofam, Duma e Nhantumbo?
4. Que perguntas não fiz e deveria ter feito?
5. Seria possível um outro tipo de abordagem? Se sim, qual?
8 comentários:
Os cientistas (sociais e outros) fazem teses e os poetas poesias.
Como o meu amigo é poeta-cientista e uma presença inspiradora, aqui deixo
:
"Fogo e ritmo"
de
Agostinho Neto
Sons de grilhetas nas estradas
cantos de pássaros
sob a verdura úmida das florestas
frescura na sinfonia adocicada
dos coqueirais
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.
Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente
em êxodo de toda a parte
caminhos largos para os horizontes fechados
mas caminhos
caminhos abertos por cima
da impossibilidade dos braços.
Fogueiras
dança
tamtam
ritmo
Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços
ritmo nas unhas descarnadas
Mas ritmo
ritmo.
Ó vozes dolorosas de África!
(espero que goste ... )
indicamente dialogando ...
iv*
__________
Muito belo, Isabel! Muito obrigado por esse belo perfume poético do legado de Neto.
Marxismo liberal...hum..., interessante. Abraço, Saraiva!
Carlos, creio que o conteúdo é válido se olharmos p'ra sua abordagem às razões do saudosismo "Macheliano". O país estava mal mas também não era "hipocritamente" tomado com a "tábua de salvação".
E se o partido no poder nunca mudou em 32 anos, poucas são as chances de se vêr mudanças no tipo de governação. Há essa resistência quase que religiosa e fundamental por parte dos actuais governantes p'ra não deixar que o seu "confort zone" seja afectado.
E estamos ainda dependentes da ajuda externa, com uma mafia governamental concentrada em consolidar o poder e inconstitucional acumular bens (Ode à nossa burguesia).
Acho que Bessa, Azagaia e Gpro Fam, não diferem muito, pois ambos concordam que a realidade no país é completamente oposta a que se ouve ou que se dá ao mundo fora, mesmo se os dois últimos são também portadores de um discurso "saudosista macheliano".
Recentemente, escrevi que Samir Amin possui a qualidade rara de expressar
conceitos e ideias profundas em linguagem muito simples.
Eis um exemplo que me parece ajustar-se a esta postagem:
“Não pode haver democracia autêntica sem progresso social. É um objectivo que vai exactamente na direcção oposta ao discurso dominante, o qual, dissocia ambos os termos, e anda afastado do pensamento dos bem-pensantes social-liberais e social-demócratas, que supõem que os efeitos negativos do capitalismo podem ser contidos por meio de uma regulação social parcial. Talvez fosse preferível esquecer o termo "democracia" e falar bastante mais de "democratização", entendida como um processo sem fim; e recordar que a necessidade de associar a democracia ao progresso social é um objectivo que diz respeito a todos os países do mundo. Também nos países chamados democráticos a democracia está em crise: precisamente porque, dissociada da questão social, fica reduzida à democracia representativa, e a solução dos problemas económicos e sociais é transferida para o mercado. É uma via muito perigosa: na Itália, como noutros lugares, você votou livremente (ou quase, dado que o voto está muito condicionado pelos media), e no entanto, muita gente se questiona: porquê votar, se o parlamento afirma que algumas decisões são impostas pelo mercado e pela globalização? Deste modo, a democracia vê-se deslegitimada, e corre-se o risco de se derivar para formas de neofascismo suave”
Caros,
Acho o conteúdo do artigo escrito pelo professor Fernando Bessa Ribeiro no ano 2001 é muito actual. Após uma longa guerra e os acordos de paz, foi implementado o modelo neo-liberal propagado pelo FMI e Banco Mundial. O resultado do processo de privatização foi um sistema político no qual o poder está concentrado nas mãos de poucos. Por isso hoje podemos notar uma forte correlação entre o poder político e a riqueza, promovido de capitais estrangeiras, por grupos de interesses económicos e financeiros. Em muitos casos os interesses dos dirigentes não se comovem com as necessidades povo. A pobreza absoluta não conta. Ninguém se comove realmente com os males que afectam este povo, tornando assim quase nulos os votos nas urnas. E simultaneamente o poder politica continua perder sua forca e credibilidade. Do meu ponto de vista é a hora de realizar, que não somente em Moçambique a democracia tornou se uma plutocracia, dominando para poucos membros dum partido. Quase um reino dos oligarcas. O que leva a pergunta, o que estilo de governação queremos? Democracia ou plutocracia? Penso ser útil debatermos sobre o que significa a democracia pelo povo Moçambicano. As quais são as razoes do mau uso da democracia? Estão actualmente, todos políticos do nosso país, realmente preparados, a aceitarem o desfecho das urnas, sem causar situações ainda piores do que já existem, do ponto de vista social? Estão os deputados realmente a representar os interesses dos trabalhadores, camponeses e outros cidadãos? Há um governo do povo? Porque não assumem nossas dirigentes as responsabilidades pelos abusos do poder e erros que muitos deles cometiam? Que corre mal com o poder dado nas urnas? Não somente em Moçambique, mas também em países como Angola, Quénia ou Zimbabué. Porque na Africa do Sul chegava um regime do apartheid ao poder por eleição? Porque chegava o Hitler ao poder por eleição? Porque manteve-se o Mobutu quarenta anos no poder? Se a democracia é “ditadura da maioria sobre a minoria”, como foi possível a perversão desta ideia no Zimbabué?
Acho que chegaremos a conclusão que existe de facto um outro lado da “moeda” democracia. Acho a nossa democracia requer tempo de maturação, para se acomodar no habito individual e colectivo, sobretudo num pais como o nosso, herdeiro de séculos de colonização e de destruição da memoria individual e colectiva e de dezenas de anos de guerra, com a cumplicidade de muitos dos nossos, o que impedia os filhos deste país, desfrutarem da sua curta estadia terrestre a que estão sujeitos, em paz, dignidade e liberdade. Por tudo isso devemos aprender com os nossos erros e os dos outros.
A nossa democracia não deve passar as mãos de um clube exclusivo com interesses financeiros próprios. O que precisamos é sistema de educação politica, de debates pacíficos de ideias sobre a agricultura, educação, saúde e infra-estruturas, de gestores políticos coerentes e credíveis, monitorizados de um povo o que sabe os seus direitos cívicos e constitucionais. Intervenção activa em vez do actual laissez-faire! Só um povo bem informado pode usar a democracia para se livrar dos os oligarcas e tiranos. O processo eleitoral deve ser simplificado (porque não basta o Bilhete de Identidade para votar?). O processo eleitoral também deve ser um verdadeiro processo de selecção para os cargos mais importantes do país. Porque o nível de qualidade dos candidatos esta directamente ligada à qualidade dos resultados. Acho, que muito da actual frustração público resulta de um processo eleitoral de má qualidade, que possibilita a eleição de arrogantes, incompetentes, gananciosos, corruptos e corruptores. Penso por isso que, devemos reflectir mais sobre as aspirações colectivas, os critérios de sucesso pelos candidatos e o bem do povo. Por fim, desejo todos compatriotas mais coragem, e bem-estar pelo Novo Ano 2008.
Um abraço
Oxalá
São inúmeros os problemas do actual modelo de democracia. Sinto que teremos de discutir seriamente isso. Forte abraço!
Adenda: tenho quase a certeza, agora, de que vou pegar nesse tema e pô-lo a debate em 2008.
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