25 abril 2007

A pedagogia do ou-vai-ou-racha


"Nunca me preocupo com o futuro. Muito em breve ele virá" (Albert Einstein)
As turmas estão apinhadas, com 100 estudantes? Não há problemas. Não há carteiras? Não há problemas. Não há material didáctico? Não há problemas. Os professores estão mal preparados? Não há problemas. E no fim do ano? Passamos.
A directora da Escola Secundária Josina Machel na cidade de Maputo, Laurina Titoce, sabe o que diz: “ter 100 alunos por turma não tira a qualidade das aulas”. E como se consegue isso? Resposta: “Desde que o professor entenda a situação actual do país e tenha vontade de trabalhar”. E depois? Resposta: “Nas nossas turmas com 90 a 100 alunos, no final do ano temos um saldo positivo.”

18 comentários:

ninozaza disse...

Mais um exemplo tipico de "falas sem consequências". As pessoas que ocupam cargos directivos neste país estão todas elas contaminadas por este virús, eu penso que a directora deste estabelecimento de ensino não caiu de para-quedas no posto de directora, portanto, antes ela foi professora e sabe muito bem a diferença que existe no aproveitamento de uma turma de 35 à 40 alunos e uma turma de 100 alunos.
Este problema começa no próprio PR, que parece que sismou com as metas quantitativas para erradicar a pobreza absoluta.

Anónimo disse...

Será que, hoje, no nosso país, com as condições concretas existentes é razoável esperar termos turmas de 35 alunos? A fazermos isso, os rapazes da minha aldeia natal continuariam a ter acesso a um mínimo de educação? Houve algum momento, na história do nosso país real que as turmas tinham 35 alunos? Quantos alunos tinham as turmas das escolas missionárias (que formaram muitos e grandes moçambicanos) no tempo colonial? Julgo que a massificação da educação tem sempre um custo: algum sacrifício na comodidade e na qualidade. Mas parece ter a vantagem de não condenar os rapazes e raparigas principalmente das zonas rurais à ignoráncia total. Claro que o país, através da pressão das suas forças vivas, pode fazer uma reversão e caminhar para uma educação eminentemente elitista. Essa em que as turmas têm 25 a 35 alunos.

Um abraço. Gabriel Muthisse

ninozaza disse...

Um ensino com qualidade, não significa imperiosamente um ensino elitista. E neste momento, a fobia pelas metas quantitativas esta a comprometer a qualidade do ensino o que hoje pode não ser visivel nem nefasto mas daqui a 10 anos pode ter efeitos devastadores para o nosso país.

Egidio Vaz disse...

Pessoalmente, nunca estudei em uma turma com menos de 50. Mesmo na Universidade! Não quero com isso dizer que sou bom, mas consegui terminar o curso. Só que uma coisa que se diga.
Os professores, esses é que se cansam, chegando ao ponto de se confundirem com pastores de igreja. Não posso reclamar uma educação individualizada, porque não a tive. Vi o professor na escola. Depois daí, apenas nos bares (quando já podia), mas não para falar de "escola".
Não disse nada.

Anónimo disse...

Cara Ninozaza,

Como se faz, nas condições concretas do nosso país, um ensino de qualidade? Acha que a existência de turmas de 90 alunos em Mazucane (minha aldeia), em Mueda, em Muidumbe, na Angónia, em Chigubo e na Escola Secundária Josina Machel é independente da opção da massificação? O que se deveria fazer para que a educação continue a ter os níveis de cobertura que tem hoje (que ainda são insuficientes)?

Eu acredito que a directora da Escola Secundária Josina Machel está preocupada com a qualidade. Como é que ela caminha para lá?

O processo da massificação do ensino iniciou-se logo após a conquista da independência nacional. Alguns sectores do nosso país, principalmente aqueles que tinham acesso às escolas oficiais, ressentiram-se naturalmente dessa opção. Deixaram de ter turmas de 35 alunos. No entanto, a grande maioria dos jovens do nosso país passou a ter acesso a um mínimo de educação, o que me parece ser um ganho. Também eu gostaria de que essa massificação se fizesse com turmas pequenas. Gostaria no entanto que alguém me dissesse como isso se faz.

Um abraço. Gabriel Muthisse

Anónimo disse...

Oi Egídio,
Felizmente eu nunca estudei em turmas de mais de 50. No tempo colonial frequentei o ensino primário na Escola Primária Oficial de Inhamissa (no Xai-Xai). Entre 74 e 77 (antes de as turmas encherem) Estive na actual Escola Secundária 7 de Setembro no Xai-Xai. Depois disso sempre estudei em instituições estrangeiras. Mas isso não faz com que seja melhor aos milhares de jovens que sempre estudaram em Moçambique. Tenho conhecido vários muito bons, que gostaria inclusivamente de emula-los (de ser como eles).

Gabriel Muthisse

ilídio macia disse...

Na Faculdade onde fiz a licenciatura,estudei em turmas de mais de 120 alunos. No 4º ano eramos 170, Uff!. Alguns colegas preferiam dispensar as aulas e optavam em fotocopiar apontamentos dos colegas. Do 1º ao 5º ano. Há ou não qualidade? A qualidade depende do nº dos alunos que a turma tiver? Ou há outros factores decisivos? Quem é que me pode explicar isto por favor? Debaixo de um cajueiro há ou não qualidade? Ou o conceito de qualidade é relativo? E no KITABU( será assim como se escreve?) onde existem boas condições materiais, há qualidade? Bom tema este.

ilídio macia disse...

Gostei do comentário de Gabriel Mutisse. Caro Egídio, preste muita atenção ao que Gabriel Mutisse diz. Ele diz, no seu comentário,ainda que de forma implícita, coisas bastante importantes.

Patricio Langa disse...

Caro G.M
Levantas questões pertinentes, não que os teus interlocutores não o façam.
Alargar o acesso cumpre um objectivo nobre de procurar minimizar as desigualdades sociais e de oportunidade perante a escola. Mas democratizar o acesso é garantia de democratizar o sucesso. Mas preocuparam-nos fundamentalmente com o acesso também tem efeitos reprodutores dessas mesmas desigualdades a outros níveis. No nosso caso talvez se defina o sucesso como acesso, mas isso nos distancia, por exemplo, daqueles que o definem como excelência. Buscar equilíbrio entre esses dois elementos é o grande desafio da educação em países como o nosso.

Egidio Vaz disse...

De facto, Muthisse esta a falar coisas muito boas. Como vê, não discordo com ele. Apenas expus a minha experiência como estudante.
O numero de alunos pode influenciar no aproveitamento pedagógico. O lugar, idem. a formação de professores também. O clima também. Tudo pode influenciar.
Só que de varias formas. O que ainda não se debateu em Moçambique é o que merece atenção e prioridade? Ai sim. Um abraço.

Anónimo disse...

Na verdade o que eu pretendia era chamar a atenção para a complexidade deste problema. Sempre que leio jornais e comentários sobre a educação só vejo críticas ao número de alunos por turma. Como se os responsáveis da educação não soubessem que isso tem custos em termos de excelência. O que eu pretendia era que os críticos do tamanho das turmas começassem a pensar que essa pode ter sido uma opção consciente. Destinada a massificar o ensino e a diminuir as desigualdades sociais, sem embargo dos reparos pertinentes de Patrício Langa. E que o Estado moçambicano nem sequer é pioneiro ao enveredar por essa via de massificação, talvez o único disponível para países pobres. Mesmo o Estado colonial o sufragou quando permitiu que as escolas missionários, destinadas aos indígenas, ensinassem debaixo de árvores, sem cadernos ou lapis (na melhor das hipóteses os alunos tinham um pedaço de ardósia e um ponteiro). Na ardósia era forçoso apagar tudo o que se tinha escrito no dia anterior. Foi neste sistema que muitos moçambicanos, alguns dos quais vieram a tornar-se famosos por seus méritos, se formaram no passado.

Tive parentes que estudaram, no tempo colonial, escrevendo no chão, pois não tinham cadernos, nem ardósias. Algumas dessas pessoas são personalidades de referência nas suas áreas de actuação.

O facto de os comentários acima enaltecerem o facto de estarmos perante um problema mais complexo do que aquilo que as habituais formulações deixam perceber já é muito bom.

Um abraço. Gabriel Muthisse

Anónimo disse...

O facto de em muitos países desenvolvidos existir uma demanda para escolas privadas pode ser um indício de que o equilíbrio que Patrício Langa sugere, entre excelência e massificação, nem lá nesses países foi atingido ainda.

Presume-se que as escolas privadas, nesses países desenvolvidos, estejam mais perto da excelência do que as escolas públicas.

Portanto, o caminho que temos que percorrer é, ainda, objectivamente longo.

Gabriel Muthisse

fatima ribeiro disse...

Adoraria entrar na vossa discussão e argumentar devidamente. Infelizmente não posso estar aqui mais que uns simples minutinhos. Por isso, proponho-vos apenas um pequeno exercício.

Imaginem uma turma de 100 alunos nas primeiras classes do ensino primário ao longo de todo um ano lectivo e reflictam:
- A quantas perguntas directamente dirigidas a si responderá cada aluno?
- Quantos minutos de leitura em voz alta terá cada aluno?
- Quantas páginas de trabalho escrito corrigidas pelo professor terá cada aluno?
- Quantas vezes por ano cada aluno irá ao quadro ou terá a seu lado um professor para acompanhar o seu raciocínio em operações matemáticas?
- Quantos testes escritos poderá dar o professor a toda a turma?
- ?, ?, ? ....

Agora imaginem esses mesmos alunos, que terão professores com formação igual ou mesmo inferior à de agora, sem pais que os possam acompanhar no trabalho de casa porque não têm escolaridade, sem livros para estudar (mesmo desprezando todos os outros problemas de saúde, nutrição, água, transportes...) e tirem as vossas conclusões. Ignorem até a falta de salas, carteiras, de livros, etc., etc., que, no meio disto tudo, são questões verdadeiramente secundárias.

Meus amigos: deixemo-nos de tretas, paternalismos e populismos, que não se podem fazer omeletas sem ovos. A não ser que as nossas crianças venham a ser verdadeiros super-homens. Esta aposta na qualidade vai sair-nos muito, muito cara em termos de qualidade, e é preciso que tenhamos todos consciência disso.
Para mim, o problema começa com as metas globais, impostas a todos sem se terem em conta as especificidades de cada país. E em nós, ou melhor, nos nossos dirigentes, que as aceitam sabendo bem o que isso nos vai custar, até por experiência própria, vivida da independência para cá. E mal ainda pior é criarem-se ilusões trazendo a lume argumentos como melhoria de qualidade, melhores resultados na aprendizagem, excelência e coisas do género. Não era esse o discurso a justificar a introdução do novo currículo? Fez-se agora, de um momento para o outro, tábua rasa desses objectivos?
No nosso caso, o objectivo de educação para todos teria de ser muito mais faseado e, acima de tudo, de ser precedido por uma forte aposta na formação de professores em quantidade e qualidade.
Preparemo-nos todos, que o que agora vemos é apenas o início do caos. Em 2013, quando entrar em vigor o ensino bilingue à escala nacional, aí então......

Anónimo disse...

Professora F. Ribeiro,

Como se faria o faseamento que sugere? Diminuir de 100 alunos por turma para, digamos, 80? Ou manter nos 35 alunos por turma?

Um abraço. Gabriel Muthisse

fatima ribeiro disse...

O faseamento a que me refiro é da taxa de cobertura. Acho que devíamos escalonar essa taxa a um ritmo mais lento, à medida das nossas capacidades de crescimento, que, essas sim, deveriam ser agora alvo de todos os nossos esforços de expansão. Para isso, devíamos apostar na criação de mais centros de formação de professores, e não reduzir a duração da já tão deficiente formação que é neles dada. Devíamos aumentar gradualmente o número de turmas, e não enlatar as crianças nas salas por de mais já ensardinhadas, etc, etc. E, antes de mais nada, devíamos convencer os fóruns internacionais de que essa meta é muito respeitadora dos direitos humanos e democrática e até viável em muitos países, mas que noutros, como o nosso, pode vir a ter consequências desastrosas, muito difíceis de reparar, e aumentar, cada vez mais, as desigualdades no mundo.

Nos anos 70 e 80, fui professora de 50 a 54 alunos por turma no ensino secundário em escolas muito privilegiadas em termos de meios, na Namaacha e em Ribáuè, depois em outras escolas em Moatize e Tete. Já não me era nada fácil gerir a situação. Imagino bem professores primários com 100 alunos de mais tenra idade e a qualidade do processo de ensino-aprendizagem que estes vão ter.

Devemos pensar também nisto: Até que ponto poderão as autoridades educativas exigir dos professores o cumprimento das “suas responsabilidades”? Que responsabilidades serão essas?

A via que estamos a seguir mais não me parece do que proporcionar a todas as crianças uma autêntica FARSA EDUCATIVA. O Gabriel Mutisse vai dizer que estou a especular, e têm razão. Mas que mais estão a fazer os que definiram esta via ao dizer que é dela que Moçambique precisa nesta década?

Anónimo disse...

Professora Fátima Ribeiro,
Parece ter ficado claro que ter as tais turmas com 90 a 100 alunos resulta de uma acção consciente das autoridades moçambicanas orientada no sentido de alargar a cobertura. Tenho para mim que esse alargamento da cobertura não se destina a formar doutores mas sim moçambicanos que, pelo menos, saibam ler, escrever e efectuar as operações aritméticas básicas. Creio que a Professora Fátima Ribeiro concordará comigo que cidadãos escolarizados se integram melhor nos processos políticos, económicos e sociais do país do que aqueles votados à ignoráncia. Portanto, em minha opinião, a massificação da educação é um acto da mais profunda democracia.
A política de massificação da educação não resulta de instruções de doadores assumidas acriticamente pelos moçambicanos. Como afirmei num dos meus comentários anteriores ela já estava presente nas primeiríssimas políticas da nação independente. Lembro-me que em 1975 foram instituídos os Centros de Formação de Professores Primários, nos quais se entrava com a Sexta Classe e se fazia o curso de professorado ao fim de 6 meses. Creio que a Professora se lembra disto. Isto não era mais que um indício da vontade do novo poder de massificar o ensino. A Professora Fátima diz que esteve na Namaacha e em Ribaue nos primeiros anos da Independência. Sabe porquê, nessa altura, tinha turmas de apenas 45 a 50 alunos nas escolas secundárias onde leccionava? Porque as políticas de massificação do ensino primário não tinham começado a dar efeitos ainda. O que pretendo sublinhar aqui é que o campeão da massificação do ensino no nosso país não são os doadores, o Banco Mundial ou o FMI. A massificação não surgiu por causa das Metas do Milénio. Ela já estava presente nas estratégias nacionais de desenvolvimento e o seu maior campeão foi Samora.

Da massificação, os mais dotados acabam por frequentar os níveis mais avançados do ensino. O mais paradoxal é que entre os maiores detractores desta política estão precisamente aqueles que beneficiaram dela. Quase todos os que se graduaram das universidades moçambicanas entre 1985 até agora são produto da massificação.

O faseamento que a Professora Ribeiro sugere não é mais possível. Já imaginou o que aconteceria se, de repente, decidíssemos emagrecer as turmas da Manyanga, da Josina, da Polana ou da Lhanguene para, digamos, 50 alunos? Mais de metade da população escolar de Maputo ficava fora da escola. Conhece algum pai que fica satisfeito, hoje, por ter um filho de 14 anos fora da escola? Creio que esses níveis de exclusão gerariam revolta e manifestações públicas não só no Maputo, mas em todo o país.

Acompanha as exigências da população nos comícios que o Presidente orienta nas zonas rurais, no âmbito da sua presidência aberta. A exigência cimeira é de escolas. E há pessoas que, nestas circunstância sugerem o afunilamento do acesso? Acha isso possível no Moçambique de hoje, em que todos escutam noticiário na rádio e lêm jornal?

Um abraço amigo. Gabriel Muthisse

fatima ribeiro disse...

A ver vamos, amigo Muthisse, se nestes moldes as crianças atingirão esse mínimo. Oxalá isso aconteça, para bem de todos nós.

Se bem que a população escolar tenha triplicado logo após a independência, não comparo tão linearmente o que está a acontecer agora com o que se fez naquela altura. Primeiro, porque a base era outra. Onde cabiam 30 passaram a caber 50. Agora, onde cabiam os mesmos 30 e depois 50 queremos que caibam 100. Depois, porque a formação geral e pedagógico-didáctica dos formadores de professores e professores, bem como a formação dos inúmeros estudantes chamados a interromper os seus estudos para leccionar, era muito mais sólida e consistente. Também a motivação, tanto dos professores como das chefias, era outra, e as chamadas Comissões de Apoio Pedagógico e Zonas de Influência Pedagógica funcionavam de facto, o que não sei se facilmente voltará a acontecer. Finalmente, apesar da urgência, se a memória não me trai, não passava pela cabeça de ninguém fazer workshops de escassos dias ou semaninhas para fazer a formação fundamental de professores, como já está a acontecer (aprendizagem do sistema de escrita das línguas bantu para ensinar nas primeiras classes do ensino bilingue, por exemplo).

Parece que estamos de acordo num ponto, pois, como demonstra, há processos que são irreversíveis. É mesmo por isso que é fundamental sermos muito mais cautelosos.

fatima ribeiro disse...

Ainda a propósito do que diz o Gabriel Muthisse: Os CFPP foram criados em 1977. Foram naquela altura abertos 10 centros e, salvo erro, os cursos eram de 6ª+3, para preparar professores primários, que eram só até á 4ª classe. Aqui nos blogues é preciso ser-se rápido, e não disponho de nada para reconfirmar o que tenho de memória quanto à duração do curso. Em 2003, seguramente (Consulte o Balanço do PES, 1º trimestre de 2003, disponível na internet) existiam apenas 11? Agora, e onde já vai a guerra, quantos existem? Aí é que está, para mim uma (apenas uma)das grandes causas do problema dos muitos alunos por turma. Constuímos a casa a partir do telhado.