01 outubro 2006

Lisboa

Lisboa, toda aquela cidade moderna nada me diz, os bairros periféricos são armazéns de gente. Mas fixo locais como o Rossio. E momentos como os passados no eléctrico. Mas fixo mais ainda a Mouraria. Desço a calçada algures, não sei onde estou, também não importa nesta bela noite, o que importa é que desço com a sensação táctil de que desço pela saudade agarrado ao corrimão da farta e bela comida da tasca cujo nome não fixei e do fado que acabei de ouvir e que me deixou duas lágrimas no parapeito da alma.

9 comentários:

Marivone Vieira disse...

Nietszche?

Carlos Serra disse...

Não, Heráclito na savana.

Anónimo disse...

Boa tarde professor. Noto que há muitas formas de ver Lisboa. Há quem veja a dos subúrbios e periférica. A dos automatismos dormitório-escritório-dormitório, dos gestos de levantar, das longas horas de auto-carro (machimombo), automóvel ou cacilheiro. Do trânsito, do cansaço e do sono. Da rotina segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira no mesmo ritmo... E há a Lisboa dos bairros históricos, das escadarias nas colinas. A mouraria claro, a Graça, Alfama. O Bairro Alto, único pelo ambiente jovem, liberal e «alternativo». O Intendente. A Lisboa multicultural, atlântica, virada para o Mundo. Gentes e condimentos de África, da América do Sul e da Ásia. Como dizem amigos meus estrangeiros: "There is something about Lisbon". Uma das descrições mais deliciosas que ouvi de Lisboa foi no filme Preto e Branco, de José Carlos Oliveira, que retrata a guerra pela libertação de Moçambique. No filme, um comando português (nascido em Moçambique, filho de um mashambeiro com dificuldades financeiras, pouco instruido e que nunca tinha ido a Portugal) captura um soldado moçambicano (culto, que havia cursado engenharia em Lisboa). Durante o longo percurso até ao aquartelamento mais próximo, os dois acabam por se conhecer melhor. Numa noite na savana, antes de dormirem, com um brilho nos olhos, o africano explicava ao português a beleza da cidade de Lisboa: as avenidas grandes, a ponte sobre o Tejo a perder de vista, o Cristo-Rei ao longe, o som dos cacilheiros, os eléctricos a subir as colinas... Achei a situação engraçada. Um abraço, João

Anónimo disse...

Já agora aproveito para esclarecer aqui uma dúvida. Tenho visto que nos estudos africanos se utilizam, com frequência, os termos weberianos "patrimonial" ou "patrimonialsimo" na análise da formação dos Estados pós-coloniais. Pelo que julgo saber e pelo que tenho consultado na internet, de acordo com Weber, na dominação tradicional a legitimidade dos líderes advém da crença na santidade das tradições vigentes. Com o desenvolvimento de um quadro administrativo (e militar) puramente pessoal do senhor, toda a dominação tradicional tende para o "patrimonialismo". Este fenómeno político ocorre quando o Estado – na qualidade de património público – é transformado em património privado, sob a égide das classes ou dos grupos dominantes. O professor sabe-me dizer em que obra de Weber esta questão é analisada? Um abraço, João

Carlos Serra disse...

Ok, logo que tiver uma aberta, mesmo esta noite se possivel.

Carlos Serra disse...

Caro João: olhe, eu tenho a edição francesa de "Economia e sociedade", 2 volumes. Sugiro que leia o capítulo III do "Économie et Société", vol. 1 (Paris: Plon/Agora, 1995), com o título "les types de domination", a partir da p.285. Explore bem isso, veja a p. 304, depois procure no capítulo (mas não só)explicitações para "patrimonialismo" e "Estados patrimoniais". Não perca tb o vol. 2. Veja, tb de Weber, o "Metodologia das Ciências Sociais", 2 volumes, da Cortez Editora, 3ª ed, 1999. Isto é o que pude rapidamente conseguir. Leia bem tb, claro, o falecido Jean-François Médard. Um abraço. Já agora...Diga-me uma coisa e perdoe a minha igmorância: está errado eu usar o termo Mouraria? Ou deveria, antes, escrever Bairro Alto?

Anónimo disse...

Muito obrigado pela atenção! Ser-me-á com certeza muito útil. Em relação a Lisboa não sou um grande conhecedor. Quem estiver no Rossio e virar à direita (para leste) e subir a colina a caminho do castelo, passa pela mouraria ou por Alfama. Quem do Rossio subir para oeste passa pelo Chiado ou pelo Bairro Alto (utilizar o elevador da Glória é uma alternativa agradável e menos cansativa). Desde os anos 80, o Bairro Alto tornou-se famoso pela vida nocturna, pelos bares, discotecas, casas de fado e, mais recentemente, pelas lojas de piercings, tatuagens... Um bairro que se rejuvenesceu. Julgo que a Mouraria tem esse nome por aí terem sido confinados os muçulmanos no século XII. Parece-me que hoje é uma zona muito frequentada por emigrantes africanos. Um bairro interessante. Lembrei-me entretanto de uma descrição de Álvaro de Campos sobre Lisboa que partilho aqui: "Lisboa pertence àquele género de português que ficou sem emprego e, assim, após uma vida de aventura, entre naufrágios e conquistas, que duravam dois séculos, recolheu timidamente a casa a fazer meia e a cantarolar o fado". Um abraço, João

Carlos Serra disse...

Muito obrigado,outro abraço!

Ida Lenir disse...

Prezado Carlos,
Encontrei seu blog através do comentário do Feijó. Parabenizo pelo conteúdo. Sou socióloga na Amazônia e mantenho um blog com crônicas sobre o cotidiano. Também é um diário. Convido-o a visitá-lo. Abraço,
www.diariodeumamulherdespeitada.wordpress.com