Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
30 outubro 2006
Pineu! Deita pineu! (6)
5. Principais problemas sociais
O principal problema é o desemprego, disseram-me os entrevistados. A vida assume, por isso, para milhares de pessoas em busca de sentido na vida, a feição generalizada do desenrasca, do salve-se quem puder. Se não há emprego local ou na grande Maputo (serralharias, padarias, como no Bairro Polana Caniço A), as pessoas enveredam pelo comércio informal, ambulante ou fixo em dumba-nengues, cujos ganhos são modestos e contigentes. E/ou pelo roubo.
Quando a noite chega, chegam também o tormento e a inquietação. Os meliantes espreitam os incautos, chegam, em grupos, a bater à porta das casas.
O roubo campeia. Dentro das casas os alvos preferidos são as aparelhagens e os aparelhos de televisão; fora delas, nos becos, nas ruelas, são os celulares e o dinheiro.
Bairros preocupantes nesse campo são, por exemplo, os bairros Ferroviário e Saul.
Os moradores queixam-se à polícia dos roubos. Mas, segundo os meus depoentes, os ladrões são pouco tempo depois soltos pelas famílias a troco de dinheiro.
Acresce que, segundo ainda os depoentes, as pessoas estão cansadas, também, da polícia comunitária, a quem acusam de corrupção e de maldade.
Mas a noite é, também, a noite das barracas e das aparelhagens com o som no máximo prolongando-se até altas horas, em meio ao álcool e à suruma.
Deixados à sua sorte, vítimas de uma violência multilateral (do desemprego ao roubo), não confiando na polícia, os moradores estão psicologicamente preparados, eles-também, para serem violentos. Basta uma pequena faísca para que essa violência tome curso.
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Aguardo comentários, correcções, críticas dos leitores. Eu tenho estado a fazer algumas correcções diariamente. Esta diário é uma oficina na qual, afinal, o produto está sempre a ser montado num trabalho sem fim. Entretanto, chamo a vossa atenção para o texto brilhante de "la strega" (creio que é antropóloga) que aparece nos comentários a esta entrada.
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8 comentários:
...contribuindo: ...triste é ouvir o Ministro Pacheco dizer que a situação está controlada e que a criminalidade diminiu... Os roubos de carros feitos por perseguição em Maputo por ladroes bem armados que se dao ao luxo de entrar nas caves/garagens dos prédios ou vivendas...para roubar carros! roubos de carros continuos e diários de todos os feitios, cores, tamanhos, modelos e marcas e, que, infelizmente, os donos nunca mais os recuperam. Policia? propositadamente ou nao é vagarosa e nao faz nada. Só pede dinheiro. ...facto curioso: indo pela estrada nacional nr. 1 os postos de policia teem carros cujos donos são os policias demasiado bons para o salario que ganham...e esse fenomeno é novo...
Seguros? esses desvalorizam carros novos de 2 e 3 anos em 70% e só depois de 2 meses e contra a apresentação de uma declaração da policia a dizer que o carro não aparece, registo de propriedade, livrete e a chave extra do carro é que a companhia de seguros vai decidir se paga ou não!!! Enfim... com pineu ou sem pineu...é assim Maputo nos dias de hoje...
Eu iria sugerir uma perspectiva menos classica. Dizer que o problema principal e o desemprego e fazer uma acepcao classica, e no meu ponto de vista insuficiente.
Penso que o correcto seria reconhecer que o problema que se coloca e o acesso a meios de sobrevivencia (e deixemos agora de lado as expectativas socialmente criadas sobre ideal de tipo e nivel de vida). Neste sentido, nao assumimos que o desejo de todo o membro da sociedade e ter um emprego, mas 'for and foremost' (como diriam os anglofonos) que o seu interesse e ter meios de subsistencia. O emprego formal, as actividades informais, os roubos e a corrupcao nao sao mais que formas alternativas que chegar a esses meios. A diferenca entre elas e que umas sao socialmente aceites e as outras marginais (ainda que estas possam em algum momento passar a ser practica comum e ate 'mainstreamada' - perdoe o meu luso-anglicismo).
As practicas socialmente aceites e marginais, na minha opiniao, tem espaco para conviver de forma relativamente pacifica, ainda que em tensao e conflito latente permanente.
O real problema surge quando os mecanismos de controle (esquadras, policias e ) das actividades marginalizadas (ou socialmente sao supostas aparentarem ser marginais) se tornam ineficientes e o poder entre os polos se inverte. Esta-se realmente sob uma verdadeira crise identitaria que o corpo nao pode reagir senao rebelando-se. Se nao existem mecanismos de controle poderosos, ha que cria-los (recria-los - dai o pedido de novas esquadras e policiamento, ou reinventa-los - dai os linchamentos).
Nos linchamentos nao interessa que se faca justica. Que se mate ou nao inocentes, mas que se intimide o polo marginal, e se reestabeleca o equilibrio imaginario (ou a essencia original).
Kanimambo a ambos, o primeiro por ampliar a visão dos problemas, o segundo por ampliar a visão teórica. De facto, "meios de sobrevivência" é bem melhor do que reduzir tudo à falta de emprego. Verei o que posso corrigir amanhã.
...continuando contribuindo: Algumas questões. Para proteger esses bens, como, por exemplo, a vida, a liberdade, a honra, o que faz o nosso Estado? Que sanções e penas ele estabelece para desestimular, prevenir e reprimir a ocorrência de fatos lesivos aos bens jurídicos do cidadão? Que sensibilizaçao o nosso Estado faz á populaçao para alertar para a onda de criminalidade? Existem telefones na polícia para onde as pessoas possam ligar e chamar a policia? Que meios rápidos existem para a policia actuar no momento que é necessário?
Depois.... a partir do momento em que o Estado chama para si as funções de apaziguar -- ver polícias nos suburbios a sensibilizar as pessoas para nao matar com "pineu" ou sem "pineu" --a sociedade, com vistas a evitar a vingança privada, verificamos que sómente o estado tem o direito de aplicar sanções. Se calhar uma visao distorcida a minha.
Diria mais...nós podemos dizer que o Estado nao estabelece normas jurídicas com o fim de combater o crime porque nao as conhece,os nem ouvimos falar. Que bom seria se o Direito Penal pudesse consistir, justamente, nesse conjunto de normas que visa, justamente, a combater o crime, que agride aos bens mais valiosos da sociedade.
Sinceramente, gostaria muito de ver o estado a combater o crime! Isso nao é muito dificil... basta colocar penas para a violação dos bens da vida...
esqueci-me! Parabéns... excelentes artigos/comentarios os seus. Pena que nao sejam publicados nos jornais locais...
Obrigado. Talvez este diário se torne, pouco a pouco, tb um jornal acessível a muitos.
Infelizmente, os linchamentos voltaram a ser uma realidade no país. Há dias, o ministro do Interior, José Pacheco, foi ao Parlamento afirmar que a criminalidade está a baixar no país, fazendo fé nas estatísticas elaboradas pelos seus homens.
Infelizmente, ainda há muita gente - José Pacheco incluso ou estará a agir como político maquiavélico? - que pensa que estatísticas são verdades acabadas, como se, na realidades, estas (verdades acabadas) alguma vez existiram.
Bernard Shaw escreveu certa vez que as estatísticas não devem ser usadas como um bêbado usa um poste de iluminacão. Um bêbado, acrescantava Shaw, usa o poste de iluminacão para se apoiar (para que não caia), e não para se iluminar.
Não estamos a dizer que as estatísticas não sejam importantes. Elas são úteis quando devidamente questionadas. Podemos, em jeito de exemplo, usar aqui a questão dos linchamentos em Maputo e não só, para tentarmos documentar o que estamos a dizer. Será que consta, nos registos criminais, algum caso de linchamento? Se sim, pode ser algo anedótico, dado que teriam que ser todos os moradores de um dado bairro (tipo T3, por exemplo), a serem indiciados.
Se José Pacheco quisesse prestar bom servico público, era suposto interessar-se com a parte da estatística policial que tem a ver com o crime violento.
Um amigo meu contou-me hoje, 31 de Outubro de 2006, que os bandidos que a Pacheco diz estarem a diminuir o impossibilitaram de viver na sua casa, que a construiu algures na Matola 700. É assim:
Ao cabo de boas poupancas, para deixar de viver em casa arrendada, o tipo cujo comprou algo que se não devia vender mas se vende (terreno) no bairro retrocitado, e lá construiu a sua casa, durante bons anos de poupancas redrobradas. Sai da flat e se fixa na sua casa. Uma semana depois, três jovens munidos de armas de fogo assaltam, por volta das 20 horas, a sua residência, o que criou muito pânico nele e na sua esposa e filha. Arrancaram-lhes os celulares e pediram a chave e documentos do carro, deixando-os, como é óbvio, cheios de medo.
Felizmente, duas horas depois o carro foi recuperado, não pela polícia, mas pela CarTrack, firma especializada em montar dispositivos de seguranca em viaturas.
O jovem em causa teve que abandonar a casa que construiu com muito sacrifício, estando agora de novo numa casa arrendada.
Pena que, enquanto os linchamentos documentam a existência folclórica da Polícia, José Pacheco quer é linchar a inteligência de todo um povo!
Ericino de Salema
Bem vindo, Ericino, é bom termos aqui um jornalista. O que diz das estatísticas deve ser tomado em absoluta consideração. Prossigamos a discussão. Irei colocando mais entradas sobre os linchamentos. Abraço!
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